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Título original: "Grand Experiments: West Marches". Escrito originalmente por Ben Robins no seu blog intitulado "Ars Ludi" em 17 de outubro de 2007. 
Traduzido por Felipe Tuller. 
 
 

West Marches foi um jogo que eu mestrei por pouco mais de dois anos. Ele foi planejado para ser diametralmente oposto ao jogo semanal tradicional:


  1. Não havia horário fixo: cada sessão era marcada pelos jogadores, conforme fosse conveniente.


  1. Não havia grupo fixo: cada jogo tinha jogadores diferentes, escolhidos a partir de um grupo de cerca de 10 a 14 pessoas.


  1. Não havia um enredo fixo: os jogadores decidiam aonde ir e o que fazer. Era um jogo sandbox no sentido usado hoje para descrever videogames como GTA, só que sem as missões. Não havia um velho misterioso enviando-os em missões. Não havia um enredo que englobava tudo, apenas um ambiente que englobava tudo.


Minha motivação para organizar as coisas dessa forma era superar a apatia dos jogadores e a prática de “seguir o enredo” de forma automática, colocando os jogadores no comando tanto do agendamento das sessões quanto das ações dentro do jogo.


Um objetivo secundário era fazer com que a agenda se adaptasse à vida complexa dos adultos. Agendamento ad hoc e uma lista flexível de jogadores significava (idealmente) que as pessoas jogavam quando podiam, mas não travavam o jogo para o restante do grupo caso não pudessem participar. Se você pode jogar uma vez por semana, ótimo. Se só pode uma vez por mês, está ótimo também.


Deixar que os jogadores decidissem aonde ir também servia para cortar a procrastinação do mestre (também conhecida como: a minha procrastinação) pela raiz. Normalmente, um mestre adia o começo do jogo até que tudo esteja 100% pronto (o que às vezes nunca acontece), mas com esse arranjo, se alguns jogadores quisessem explorar o Forte Submerso no fim de semana, eu tinha que correr e terminar aquilo. Era jogo sob demanda, então os jogadores criavam prazos para mim.

Ambientação: Vá para o Oeste, Jovem

O jogo se passava numa região de fronteira, na beira da civilização (as chamadas “Marchas para o Oeste”). Havia um vilarejo fortificado conveniente que representava o posto avançado mais distante da civilização e da lei, mas além dele havia um ermo perigoso. Todos os PJs eram aspirantes a aventureiros hospedados nessa cidade. Aventurar-se não era uma profissão comum ou segura, então os personagens dos jogadores eram os únicos dispostos a arriscar suas vidas nas terras selvagens em busca de fortuna (NPCs aventureiros eram raros). Entre incursões ao ermo, os PJs descansavam, trocavam informações e planejavam sua próxima expedição na aconchegante taverna Machado & Cardo.


Todo o território era (por necessidade) muito detalhado. A paisagem era dividida em várias regiões (Pântanos dos Sapos, Bosque do Berço, Vale do Pique, etc.), cada uma com seu próprio tom, ecologia e perigos. Havia masmorras, ruínas e cavernas por toda parte, algumas grandes e muitas outras menores. Algumas eram marcos conhecidos (todo mundo sabe onde fica o Forte Submerso), outras eram apenas rumores com localização incerta (diz-se que o Salão dos Reis está em algum lugar do Bosque do Berço), e outras eram totalmente desconhecidas, descobertas apenas pela exploração (vasculhe os bosques infestados de aranhas e encontrará o Ninho do Monte Aranha).


Os PJs podiam explorar qualquer lugar que quisessem, com a única regra de que voltar para o leste era proibido — não havia aventuras nas terras civilizadas, apenas uma aposentadoria pacífica.


O ambiente era perigoso. Muito perigoso. Isso era intencional, porque como ensina o grande MUD Nexus, o perigo une as pessoas. Os PJs precisavam trabalhar juntos ou seriam esmagados. Eles também precisavam pensar e escolher suas batalhas — como podiam ir a qualquer lugar, nada os impedia de entrar em áreas que os destruiriam. Se apenas sacassem suas espadas e atacassem tudo que viam, o resultado seria ter de criar novos personagens. Os jogadores aprendiam a observar o ambiente e se adaptar — ao encontrar pegadas de urso-coruja na floresta, evitavam a área (pelo menos até subir alguns níveis). Ao tropeçar na toca de uma hidra aterrorizante, eles recuavam e reuniam um grande grupo para caçá-la.


Os PJs eram fracos, mas tinham um papel central: eram peixes pequenos em um mundo perigoso que precisavam explorar com cautela, mas como eram os únicos aventureiros, eles nunca ficavam em segundo plano. Ofuscados por montanhas imponentes e florestas ameaçadoras? Sim. Ofuscados por outros personagens? Não.


Agendamento: Os Jogadores Estão no Controle


A regra fundamental em West Marches é que o jogo só acontece quando os jogadores decidem fazer algo — os jogadores iniciam todas as aventuras e é responsabilidade deles agendar as sessões e organizar um grupo de exploração depois de decidirem aonde ir.


Os jogadores enviavam e-mails para a lista dizendo quando queriam jogar e o que queriam fazer. Um e-mail normal seria algo como: “Eu gostaria de jogar na terça. Quero voltar e procurar aquele mosteiro em ruínas que ouvimos falar que estaria além das Colinas Douradas. Sei que o Mike quer jogar, mas precisamos de mais um ou dois. Quem topa?” Jogadores interessados respondiam e começava a negociação. Podiam sugerir datas alternativas, outros lugares para explorar (“Eu já fui ao mosteiro e é perigoso demais. Vamos atrás da bruxa no Vale do Pique!”), ele podiam sugerir qualquer coisa — era um processo caótico, e os detalhes se ajustavam naturalmente. Em teoria, isso espelhava o que estava acontecendo na taverna dentro do jogo: aventureiros falando de seus planos, encontrando aliados, compartilhando informações, etc.


As únicas regras rígidas de agendamento eram:


  1. O mestre tinha que estar disponível no dia (obviamente), então o sistema só funciona se o mestre tiver agenda flexível.


  1. Os jogadores tinham que avisar o mestre para onde pretendiam ir com bastante antecedência, para que ele (no caso, eu) tivesse ao menos uma chance de preparar o que faltava. Com o passar da campanha, isso virava um problema cada vez menor, porque havia tantas áreas já detalhadas que os PJs podiam ir praticamente a qualquer lugar no mapa e encontrar aventura. O mestre também podia vetar um plano que parecesse completamente entediante e indigno de uma sessão.


Todas as demais decisões cabiam aos jogadores — eles brigavam entre si, às vezes literalmente.


Continuação:

West Marches (parte 2), Compartilhando Informações

West Marches (parte 3), Reciclagem

West Marches (parte 4), Morte e Perigo

West Marches: Mestrando o Seu Próprio


Novos:

West Marches: Segredos e Respostas

West Marches: Camadas de História

West Marches: A História de um Sobrevivente

 Título original: "WHY MEGADUNGEONS? A Campaign Structure for Modern Lives". Escrito originalmente por Warren D no seu blog intitulado "I Cast Light!" em setembro de 2025. 

Traduzido por Felipe Tuller. 
https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgHzQvvHC3R0AjTI5cHXla-VGWlWOU5fvQ4DBIRvJITD_qBrda_U8t7e6BQuPfzBngshKa5reD7Ebov_p650Xd8PP3WEM8OLJKbGGI-HHe3SFzjYxMSSvBsEqJ8NqqFbyoqM3xVvEqpd323fmpJgHDI2mYIrqb-p9EpOBMg9GxAcGo0X0dLcmY0iK-pB_zR
Imagem original do documento de proposta do Diablo, que agora parece um documento OSR de outros tempos.

Por que Megadungeons?

No Discord do Prismatic Wasteland, um membro perguntou basicamente o seguinte: “Por que megadungeons?” Essa é uma boa pergunta perene, que merece respostas perenemente publicadas em blogs. Po, o Ben L., do Through Ultan’s Door, tem um podcast só sobre o quem, o quê, o quando, o porquê e o como dos megadungeons — se chama Into the Megadungeon. Vale muito a pena ouvir, é demais! Essa questão merece atenção constante porque os megadungeons são uma estrutura de campanha fundamental para Dungeons & Dragons e, portanto, também para a estrutura de campanha da maioria dos jogos de fantasia e aventura que descendem desse jogo.


A campanha Blackmoor, de Dave Arneson, a gênese do D&D como o conhecemos hoje, rapidamente passou a girar em torno dos personagens individuais do grupo que desciam repetidas vezes à masmorra abaixo do Castelo Blackmoor. Embora isso não tivesse sido planejado desde o início, os relatos sugerem que a exploração da masmorra foi tão envolvente que os jogadores se recusaram a abandoná-la. Apenas após perderem o próprio Castelo Blackmoor que os jogadores desviaram sua atenção de lá.


Algum tempo depois, quando Gary Gygax foi apresentado a essa estrutura de campanha inédita criada por Arneson, ele também começou a formular sua própria masmorra infinita situada num castelo, e assim nasceu a famosa campanha de Greyhawk. Seu impacto sobre o D&D não pode ser negado. Mas Greyhawk não foi a segunda masmorra: um dos jogadores de Arneson criou o Castelo Tonisborg em 1973, usando um rascunho inicial do que em breve seria lançado como o D&D, apresentando níveis com múltiplas salas repletas de tesouros, armadilhas e diversos dragões.


Essa estrutura de campanha de masmorras vastas também predominava fora dos grupos dos fundadores do D&D. Se você ler edições antigas do Alarums & Excursions, de Lee Gold, você verá que as primeiras estruturas de campanhas frequentemente eram estreladas por masmorras profundas. E um dos primeiros módulos publicados por terceiros para D&D, pela Judge’s Guild, foi justamente o clássico Caverns of Thracia (1979). Uma masmorra excelente cujo design exemplar é comentado em detalhe nessa postagem do Gus L. no blog All Dead Generations.


Os megadungeons SÃO SINÔNIMOS de D&D.

Megadungeons nos videogames e na mídia popular

Isso dito, os megadungeons não estão presos ao passado nem ao nicho dos RPGs de mesa. Eles também sempre tiveram presença marcante nos videogames antigos e também nos atuais! Os primeiros jogos de PC estilo “dungeon crawler” como Wizardry, que eu comentei sobre nessa postagem, traziam masmorras com múltiplos andares que precisavam ser exploradas pelo grupo de personagens e mapeados à mão pelo próprio jogador. Claro, outro exemplo famoso é a série Diablo, que também gira em torno da estrutura de um megadungeon (vide a imagem que abre esse texto).

Wizardry (esquerda); Super Metroid (direita)

O conceito de megadungeon como estrutura de design de jogo ganhou ainda mais atenção com o lançamento de Super Metroid (SNES, 1994) e Castlevania: Symphony of the Night (PS, 1997), que eventualmente deram origem ao termo “metroidvania” que passou a definir todo um gênero. O aguardado Silksong, sequência de Hollow Knight, trouxe novamente os megadungeons para o centro da atenção dos jogadores. Indico que vocês dêem uma olhada no texto de Josh no Rise Up Comus para que possam ler uma ótima e detalhada discussão sobre como os metroidvanias expressam suas estruturas. Mas eu acho que basta olhar os dois mapas abaixo para perceber claramente que Hollow Knight tem uma grande dívida com as masmorras de Dungeons & Dragons.

Exemplo de masmorra do Basic D&D de Holmes (à esquerda)
Mapa de Hollow Knight (à direita)

Enfim, megadungeons não são só um cenário para videogames. Há alguns exemplos de outras mídias bastante populares que também fazem sua história se passar no contexto de um megadungeon. O primeiro que vem à mente é o mangá Dungeon Meshi, que é gritantemente semelhante ao estilo do D&D old-school (o que se torna menos surpreendente quando você se dá conta de que uma de suas grandes influências foi Wizardry). Na categoria “sucesso de vendas das grandes livrarias” a série de livros Dungeon Crawler Carl (curiosamente abreviada como DCC) também vem crescendo como uma série de livros famosa, e parece até que a empresa do Seth McFarlane vai fazer uma série de TV baseada nela. A trama gira em torno de um cara comum preso em um reality show intergaláctico depois que a Terra inteira se transformou num megadungeon de múltiplos andares. A série de livros parece que se inspira mais em World of Warcraft do que qualquer outra coisa, mas ainda assim possui uma masmorra vasta e a exploração de masmorras é o foco da história. O novo mangá Tower Dungeon também retrata um grupo de heróis tentando alcançar o topo de uma torre de 100 níveis para resgatar uma princesa de um necromante.


Megadungeons SÃO SINÔNIMOS de D&D, mas não são APENAS D&D.

Mal-entendidos sobre megadungeons

Espero que o texto até aqui já tenha convencido você de que megadungeons não são uma estrutura arcaica, mas algo vivo no imaginário coletivo e, portanto, podendo ser uma ótima maneira de começar sua próxima (ou até mesmo a sua primeira) campanha de Dungeons & Dragons. Para reforçar isso, vejamos alguns mal-entendidos comuns:

“Masmorras são só matar & pilhar sem graça”

Isso pode acontecer em qualquer jogo de RPG. Por mais que as masmorras sejam uma unidade básica em jogos de aventuras fantásticas, elas não são uma unidade simplista. Masmorras são um ambiente criativo para RPG porque permitem que o Mestre e os jogadores desenvolvam a dinâmica de “chamada e resposta”, que é o tipo de participação necessária para que a maioria dos RPGs funcione.


Além do mais, boas masmorras são carregadas de escolhas, porém mais restritas que seus equivalentes no ermo ou em mundos abertos. Isso frequentemente exige improvisação, mas limita as novidades a um conjunto de temas e assuntos recorrentes. Essa restrição impede que um Mestre iniciante tenha que narrar três situações diferentes acontecendo ao mesmo tempo, como provavelmente ocorreria ao começar uma campanha em uma cidade ou no ermo e simplesmente perguntar: “então, o que vocês fazem?”.

"Não tenho tempo para mapear mais de 300 salas"

Se você vai criar uma masmorra, o quão grande ela precisa ser para ser uma “mega” masmorra? Eu tendo a achar que existem duas qualidades de uma megadungeon: (1) um tamanho mínimo e (2) um componente funcional. Primeiro, em termos de tamanho, Buraco no Carvalho, uma masmorra inicial bastante popular, tem cerca de 60 salas mapeadas. Caverns of Thracia, considerada uma megadungeon altamente aclamada, tem apenas cerca de 117 salas. Já Stonehell (2011), outra megadungeon muito recomendada, possui mais de 700 salas.


Em segundo lugar, “salas mapeadas” talvez não seja a melhor medida, porque uma sala enorme pode exigir tanto tempo de jogo quanto cinco salas menores. Então, outra definição que acredito ser mais aplicável ao mundo atual em que várias formas entretenimento competem pela nossa atenção, é que uma megadungeon é uma masmorra que se torna o lócus de jogo de uma campanha em andamento. Isso significa que a masmorra é o centro da ação, enquanto outros locais, por exemplo, “a vila”, desempenham uma função periférica ou de apoio, principalmente servindo como lugar para realizar ações de descanso entre as expedições pela masmorra.


Além disso, você não precisa mapear tudo de uma vez. Gygax recomendava ter cerca de 3 andares prontos antes de reunir seu grupo para a primeira sessão. No entanto, sessões de 8 horas não são mais tão comuns hoje em dia, então ter apenas 1 andar completo, com 30 a 50 salas mapeadas, já seria suficiente para começar.

"O design de masmorras é difícil porque é difícil criar boas masmorras"

Pode-se dizer que criar masmorras já é algo difícil, e isso se agrava quando se trata de criar mais de 100 salas interessantes o bastante para sustentar uma campanha. Felizmente, o criador de His Majesty the Worm, Josh McCrowell, e eu escrevemos um documento de design de masmorras. Esse curso guia o leitor pelos passos necessários para criar uma masmorra de 30 salas que seja sólida e pronta para jogar. É fácil repetir esse processo 3 ou 4 vezes e obter uma megadungeon de 90 a 120 salas, com múltiplos andares. Um ponto-chave é que o objetivo é criar masmorras jogáveis, e não masmorras tão incríveis que redefinam o gênero. Dê um desconto a si mesmo e mire na criatividade de “tédio de sala de aula”! Nessa postagem, Nick discute como fazer uma megadungeon em duas semanas. Miranda, do blog In Places Deep, também tem bons conselhos.

“Todo D&D é um trabalho improvisado, e uma ideia meia boca que coloca o seu jogo na mesa é melhor do que uma ideia perfeita que leva meses.”
~ In Places Deep

"100 salas do mesmo tema vão ficar repetitivas"

Eu definitivamente posso responder “não” a essa afirmativa. Ao longo de meus muitos, muitos anos jogando apenas Dungeons & Dragons, eu ainda fico empolgado em explorar criptas amaldiçoadas cheias de mortos-vivos. Megadungeons são excelentes em destilar ideias E TAMBÉM dar profundidade a elas. Cada andar pode ser povoado com apenas algumas ideias, temas ou estéticas. O que significa que você não precisa ter uma lista inteira de tramas complicadas, planos, relacionamentos e NPCs antes de começar a rodar uma campanha. Megadungeons são uma tela para reiterar esses mesmos elementos repetidamente, o que permite extrair completamente o sabor de cada elemento, já que é preciso criar variações sobre cada um deles. O outro lado da moeda das masmorras são os “hexcrawls no ermo”, que podem ser muito divertidos e foram especialmente populares no formato West Marches. No entanto, acredito que hexcrawls podem diluir as ideias, já que o Mestre precisa espalhá-las por uma área muito maior, como um reino ou região, porque sua unidade básica é o hexágono de 6 milhas e não uma sala simples. Mesmo com vários elementos por hexágono, isso pode dar a sensação de muito espaço vazio. Os jogadores também percorrem mais terreno e refazem menos o mesmo caminho. Isso aumenta ainda mais a necessidade de novidades e diminui o impacto da ideia a ser ressaltada.

"Passar pelas mesmas salas vai ficar entediante"

Para responder novamente ao medo da repetição, megadungeons empregam a repetição em dois níveis simultaneamente: no nível do jogo e num meta-nível. No primeiro, a familiaridade nascida da repetição permite que os jogadores naveguem rapidamente pela megadungeon, explorem seus segredos em benefício próprio e maximizem o impacto do relacionamento com as facções. No segundo, a repetição aumenta o conhecimento dos jogadores sobre o mundo ficcional. Ela ajuda a fixar os nomes dos NPCs, locais e os deixa a par dos temas recorrentes. A repetição também ajuda o Mestre a garantir que as novidades tenham impacto. Se um grupo explorou e passou dez vezes pela Fonte de Zeus, então eles vão ficar bastante surpresos e intrigados quando, de repente, a fonte estiver rachada, a água drenada e de repente surgir ali uma escadaria levando para as profundezas escuras.

"Bem, é uma ideia boba pensar que uma pessoa ou um grupo construiu um prédio gigantesco apenas para guardar tesouros"

Outra reclamação comum que ouço é que uma megadungeon é excessivamente artificial, mesmo para um jogo de fantasia com lagartos gigantes que cospem fogo. Que “um mago fez isso” é uma explicação insuficiente, ou que “pelo poder do submundo mítico” é vago demais. Só peço que se pare por um momento para pensar sobre os modos de vida  dos mega-ricos e dos poderosos, tanto no passado quanto no presente. Por exemplo, o Palácio de Versalhes tem 137 salas catalogadas, mais do que o número de salas mapeadas em Caverns of Thracia. O fundador do Facebook supostamente está comprando onze casas, totalizando algo em torno de 100 milhões de dólares em seu quarteirão, para criar um complexo na Califórnia. E, se isso não for convincente o suficiente, deixe-me dizer uma última coisa: em termos de jogos de aventura de fantasia, assim como nos seus equivalentes dos videogames, é muito mais importante ter um espaço jogável que esteticamente se assemelhe a um espaço realista do que um espaço realmente racionalizado e funcional. Afinal, a maioria dos túmulos reais são lineares e contêm pouquíssimas salas.


Megadungeons são lugares onde o familiar permite a expressão do fantástico.


Megadungeons como Campanha


Por fim, quero encerrar esse texto falando sobre a megadungeon como uma estrutura de campanha.


Eu acho que o ambiente de jogo moderno está muito distante do modelo do Gygax, de encontros semanais de 8 horas de duração. Em vez disso, a maioria das pessoas envolvidas no D&D depois que saíram da faculdade só conseguem dedicar cerca de 2 a 4 horas por sessão, uma vez por semana. Eu sei que sou muito sortudo por conseguir jogar cerca de duas vezes por semana, mas mais do que isso já seria forçar demais. O que vou dizer agora pode parecer contraditório, mas essa restrição de tempo é excelente para uma campanha de megadungeon.


As megadungeons têm uma estrutura/loop de campanha simplificado: Vila → Megadungeon → Vila. A masmorra, claro, é onde está a ação, e a vila é onde acontece o reabastecimento. Mas a vila geralmente contém uma facção cívica, uma facção religiosa e 2 a 3 outros grupos que representam o mundo em geral. Além disso, a proximidade de uma masmorra lendária fornece um bom motivo para todo tipo de esquisitões aparecerem por lá. E, claro, coisas da masmorra também podem rastejar para fora dela. E normalmente também há razões suficientes para incluir algumas áreas fora da vila, de modo a fornecer uma pequena zona regional: a outra vila que odeia a “vila da masmorra”, a cabana do ermitão, os estranhos monólitos, o lago e o templo/torre em ruínas. Todos esses lugares podem ser seus próprios locais de aventura, outras entradas para a masmorra, ou ambos. Ou simplesmente locais com funções extras como lugar para extrair componentes mágicos ou treinamento especial. Quando combinados com a repetição, isso significa que em apenas algumas sessões de 2 horas os jogadores vão se familiarizando com boa parte do mundo local. Isso reduz a necessidade do Mestre repetir nomes, locais, relacionamentos e lore porque simplesmente não há tanto assim a catalogar (e os jogadores estão em contato com essas coisas o tempo todo). Uma enorme vantagem! 


Além disso, não demora muito para que os jogadores percebam o impacto de suas ações, para o bem ou para o mal. Em um grande hexcrawl, se eles queimarem a estalagem, os jogadores podem simplesmente seguir em frente. Numa campanha de megadungeon muito localizada, eles terão que dormir ao relento (ou dentro da própria masmorra). Numa campanha estilo hexcrawl, se o mímico maligno segue com o grupo, talvez não se veja o efeito disso por um bom tempo. Mas, em uma campanha de megadungeon, esse mímico pode muito bem se transformar na tal estalagem preferida, substituindo (misteriosamente, da noite para o dia) a antiga estalagem que eles queimaram.


Megadungeons são onde o familiar permite o foco no jogo e nas ações dos jogadores.

O Fim, mas também o Começo

…da sua campanha de megadungeon!


Espero ter conseguido convencer vocês de que uma megadungeon é um espaço de campanha contido, que concentra ideias fantásticas e as estende ao máximo efeito, usa a repetição a favor dos jogadores, aumenta o engajamento no jogo, amplifica o impacto da novidade e da mudança no local da aventura e, ao mesmo tempo, é um formato que se encaixa muito bem na vida corrida dos adultos. E, longe de ser um modelo de campanha dos “velhos tempos” de Dungeons & Dragons, trata-se de uma estrutura de campanha que está sendo trazida de volta à consciência dos jogos através de mangás como Dungeon Meshi ou Tower Dungeon, e através de videogames do gênero metroidvania como Hollow Knight, Silksong e Blasphemous 1 & 2.

 
Tradução do texto: "How to overcome your hyperdiegesis allergy". Escrito originalmente por Nova (ela/dela) em seu blog intitulado Playful Void em 01 de novembro de 2024.
 Traduzido por Felipe Tuller.

"hiperdiegese" é uma palavra usada para descrever elementos de uma obra criativa que não são explicados, mas que dão a entender um cenário maior. Exemplos bem conhecidos de hiperdiegese incluem:

  • “Navios de ataque em chamas ao longo do ombro de Orion. Eu vi raios-C brilharem na escuridão perto do Portão de Tannhäuser.” 

Blade Runner

  • “Você lutou nas Guerras Clônicas?” “Sim. Eu já fui um cavaleiro Jedi, assim como seu pai.” 

Star Wars

  • “Quando você abre seu cérebro para o mundo do maelstrom psíquico, role +weird.” 

Apocalypse World

Esses exemplos, obviamente, foram soterrados por “retcon” numa infinidade de continuações. O termo "hiperdiegese" foi cunhado por Matt Hill, embora eu o tenha encontrado aqui nesse link e selecionado algumas citações, já que você consegue lê-las por conta própria, e também porque isso aqui não é uma análise crítica – é uma reflexão minha sobre essa ideia.

“…a criação de um vasto e detalhado espaço narrativo, do qual apenas uma fração é vista ou encontrada diretamente no texto…” 

Matt Hill, Fan Cultures

“…o mundo é construído ao longo da série acumulando e reiterando detalhes. Menções a pessoas, lugares e eventos sugerem um mundo completo com uma história vasta…” 

Matt Hill, Defining Cult TV

Vou falar sobre isso no contexto dos “jogos de elfo faça-você-mesmo”, especialmente módulos e cenários. A hiperdiegese em filmes pode ter a intenção de semear conexões para futuros episódios (como no início do Universo Cinematográfico Marvel ou em várias séries de Star Trek), mas também pode ser comentários isolados que buscam dar uma sensação de vastidão. No RPG, é intencionalmente um espaço que a mesa de jogo preenche.

Então: pessoalmente, eu adoro hiperdiegese nos meus módulos e cenários. Mas percebo que entre muitos árbitros há uma certa resistência a isso. Vejo pessoas reclamando repetidamente: “Não está explicado quem é tal personagem” ou “se esse nome não se refere a alguém no módulo, não deveria estar aqui”. Obviamente, eu discordo dessa preferência, mas é uma preferência e é válida. M. John Harrison foi menos generoso — ele chamou isso de “peso do excesso de nerdismo,” mas acredito que, em RPGs de mesa, esse “peso do excesso” pode ser justificado. Vamos explorar (perguntei a alguns amigos que escrevem jogos e módulos) de onde vem esse impulso e se devemos contorná-lo ou abraçá-lo.

Eu encontrei problemas com o tema dos detalhes hiperdiegéticos na excelente série de zines Through Ultan’s Door de Ben L. e descrevi-os assim:

“Eu temo a falta de clareza — ‘por que o salão de banho está ensanguentado?’ — para mim resultaria em uma espécie de paralisia de improvisação, na qual a falta de informações, em um mundo muito maior e crescente, me faria hesitar em criar minhas próprias respostas, com medo de contradizer algo que não lembro ou que ainda não foi escrito.” 

Eu, aqui

Então, eu sou menos receptiva a informações hiperdiegéticas porque se eu inventar algo errado poderia arruinar algo que já existe no mundo, que pode aparecer em uma futura edição ou quebrar a narrativa. Zedeck Siew sugeriu que isso significa colocar em risco a criação de “interrupções no tecido do mundo em vez de evoluções (porque o autor não está presente na mesa)”. Há uma solução para isso que pode ser realizada num nível editorial: sinalizando as informações hiperdiegéticas. Zedeck sugeriu referenciar páginas no documento por omissão, em vez do método atrapalhado de dizer “isso é hiperdiegético”.

As informações diegéticas podem ser enganosas. Chris McDowall sugeriu que a “nebulosidade das informações” em RPGs de mesa — o fato do árbitro desempenhar o papel de todos os sentidos dos jogadores — pode transformar informações hiperdiegéticas em ruído confuso, dificultando a distinção entre o que é informação relevante e o que não é. Por exemplo, o uso de nomes de lugares ou pessoas que não são imediatamente relevantes para o enredo pode distrair os jogadores do módulo ou aventura em questão. Talvez esta observação casual de Crown of Salt possa fazer com que os jogadores desviem de sua missão pela segunda espada. Por exemplo: “Uma cópia idêntica da Lâmina do Rei Esquecido”.

Uma terceira preocupação é que um árbitro com pouca confiança em improvisação, ou que adere rigidamente ao método Blorb de mestrar aventuras, não vai curtir o fato de uma informação não estar disponível em um almanaque, no apêndice ou seja lá onde for. Uma vez eu mestrei uma campanha de Dragonlance, um mundo que conheço bem, usando um site de wiki incrivelmente detalhado. Certamente há um prazer em participar desse tipo de jogo no qual sempre há uma resposta certa. No entanto, eu acho que temer não saber a resposta certa vai contra os pontos fortes dos “jogos de elfo faça-você-mesmo”. Esse reconhecimento da improvisação como uma força especial do hobby remonta aos primórdios:

“...informação total e absolutamente perfeita não será necessária, mas um esquema geral é necessário. A partir disso, você pode dar dicas vagas e respostas ambíguas... a interação do árbitro e dos jogadores transforma o esqueleto básico em algo muito maior [...] se aventurar dá um sopro de vida a um mundo de faz de conta...” 

Gary Gygax,Guia do Mestre AD&D 1e

Eu esperava tirar alguns princípios desses medos, para melhor escolher onde colocar informações hiperdiegéticas, obter o melhor efeito e minimizar reações alérgicas, mas percebo agora que minhas ideias iniciais sobre esses princípios estavam erradas. Acho que nesse caso nós temos que lutar contra nossos instintos. Isso se tornou uma postagem sobre como mestrar e jogar, em vez de como escrever. Surpresa!

Apoie sua improvisação. Ninguém é bom em improvisação no vazio. Você precisa abastecer sua despensa: consulte produtos que já possui. Leia coisas de outras pessoas. Blogs. Livros. Tenha uma pilha de módulos não usados. Leia-os e lembre-se deles. Monte sua coleção de geradores e documentos de apoio. Há sempre algo que já foi escrito sobre todos os assuntos. Nos dias de hoje, mais de um módulo é lançado por semana, então você geralmente não precisa criar algo novo se acompanhar o hobby de perto. Roube na cara dura. Assim, você terá algo disponível quando for forçado a improvisar: não passa de um roubo glorificado, então encha seus bolsos de ouro. E fazer isso é fácil porque…

Jogos de sandbox são sobre desvios. Se você se desviar do planejado, abrace isso. Vá encontrar a segunda espada. Faça dela o tesouro da masmorra bônus. Adicione rumores adicionais. Aventuras sob medida guiadas pelos personagens fazem parte da dinâmica e natureza colaborativa do hobby. Se você dá apoio à sua improvisação, desviar-se do caminho original torna-se algo bom e não ruim.

Teorize ingenuamente. Parte da resistência à hiperdiegese vem do mundo cada vez mais interconectado em que vivemos; Amanda P aponta que, na maioria das vezes, um aventureiro em um mundo de fantasia vive em um mundo cheio de coisas que ele não conhece nem entende.

"...eles se encontraram por acaso em uma estalagem ou taverna e decidiram partir juntos em busca de fortuna nesses ambientes perigosos e, além do conhecimento comum da área, não sabem de nada sobre o mundo..."  

Gary Gygax,Guia do Mestre AD&D 1e

Como jogadores, devemos viver nessa ingenuidade. Costumamos querer criar especialistas — “Eu saberia disso” é um refrão comum. Em de perguntar ao árbitro, apoie-se em “Não faço ideia do que isso significa; vamos descobrir juntos”. O árbitro pode e deve corrigir os equívocos no entendimento da informação; entretanto essa ingenuidade contribui para a teorização. Aventureiros devem abraçar sua ingenuidade e explorar ainda mais fundo mesmo assim, construindo suas teorias. Encoraje seus jogadores a fazerem o mesmo: o árbitro não precisa improvisar uma resposta o tempo todo, os jogadores podem teorizar sobre ela; Pergunte a eles: “Vocês não sabem. O que acham que é?”. Isso resolve o problema anterior sobre o medo de se contradizer, pois você está investigando a realidade, e não impondo-a.

Aceite o retcon. Quando interromper a realidade acidentalmente, não hesite em corrigir. Informações hiperdiegéticas devem ser usadas para criar um mundo maior, o que significa que você pode errar. Nós quase sempre jogamos em um mundo incomparável ao nosso: uma grande mudança na nossa história ou em nossa geografia pode ser facilmente ser explicada por magia poderosa ou tecnologia alienígena. Mas mesmo numa campanha sem essas possibilidades capazes de desestabilizar o mundo e a temporalidade, você pode se dar conta de que a sua realidade se resume a lavagem cerebral ou propaganda – coisas que acontecem na vida real. Se perceber que cometeu um erro, use aquilo como um evento. Uma crise sobre universos infinitos, talvez. Abrace isso como parte da natureza dinâmica e colaborativa do hobby.

[Estou me dando conta de que não tenho uma boa palavra para essa colaboração estranha e desajustada que mora no coração dos “jogos de elfos faça você mesmo”. Tema para uma futura postagem, pelo visto.]

Bem, é isso, eu acho. O hobby ganha mais quando usamos informações hiperdiegéticas. Eu acho que precisamos aprender a abraçá-las, tanto os árbitros quanto os jogadores, e nós podemos fazer isso ajustando nossas formas de colaboração.

Idle Cartulary

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