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21 abril, 2024

Então você quer mestrar uma Masmorra de Quebra-Cabeças: dicas e procedimentos para quebra-cabeças agradáveis - texto de Direct Sun

 

Título original: "So you want to run a Puzzle Dungeon: Tips and procedures for pleasant puzzling"
Escrito originalmente por Direct Sun no seu blog intitulado "Direct Sun Games" em 7 de fevereiro de 2022. Grifos, formatação e links do original foram mantidos.
Traduzido por Felipe Tuller.

Eu tive a chance de mestrar minha masmorra de quebra-cabeça, Aberrant Reflections, para o Plus One Exp. Foi o máximo. Vou fazer referência à linha do tempo das filmagens do jogo para que você possa ver as partes mencionadas. Pule para 2:46:27 se quiser uma retrospectiva do jogo e discussão de design. 

Aviso: As coisas no vídeo não acontecem exatamente como eu descrevo no texto. Deixa rolar.

O que é uma Masmorra Quebra-cabeça?

Mark Brown, do Game Master’s Toolkit1, tem uma série excelente sobre quebra-cabeças de Zelda.  Os vídeos valem uma assistida, mas vou parafrasear aqui.

Uma masmorra de quebra-cabeça é uma experiência polida semelhante a resolver um cubo mágico pelo lado de dentro. As masmorras não são apenas um recipiente para os quebra-cabeças, mas o recipiente em si é um quebra-cabeça. Completar essas masmorras requer uma mistura de raciocínio espacial e navegação em um cenário tridimensional complexo.

Esta última parte deve soar familiar. Fazer com que os jogadores reflitam sobre o ambiente ao seu redor é um clássico de um bom design de masmorra. Pode não ser chamado pelo nome nos artigos do "Jaquaying the Dungeon" de The Alexandrian, mas é exatamente isso que Caverns of Thracia encoraja com seus andares famosamente interconectados.  

Masmorras de quebra-cabeças têm um monte de coisas rolando:

  •     Recontextualização de áreas previamente visitadas
  •     Subseções com seus próprios temas e histórias
  •     Itens-chave e aprimoramentos2
  •     Ensino incremental de novas mecânicas


Então, como você garante a mesma experiência polida, de jogo de vídeo, de masmorra de quebra-cabeça em jogos de mesa? 

Não sobrecarregue os jogadores

45:32
"Vocês chegam numa sala circular com caixões de pedra. No centro da sala, está uma laje de pedra a cerca de 3 metros de altura. Pairando acima da laje há uma chave."

Aqui está uma descrição composta por algumas frases sobre as principais características da sala. Os jogadores podem tomar decisões sobre o que gostariam de investigar e interagir. Eles podem perguntar sobre os caixões. Você diria a eles como as tampas dos caixões foram removidas e ossos quebrados jaziam sob elas. A parte importante aqui está no final. Uma investigação mais aprofundada revela que esses ossos foram roídos por algo que ainda pode estar nos arredores.

Os jogadores podem perguntar sobre a chave flutuante e você diria a eles como ela é roxa e parece ser feita de ferro forjado e flutua imóvel. A parte importante aqui está no final, já que logo ficará claro que a chave não está exatamente flutuando sozinha.

  •     Descreva as coisas que seriam imediatamente aparentes para os personagens dos jogadores.
  •     Deixe que os PJs investiguem cada coisa e então você pode entrar em mais detalhes.
  •     Deixe as coisas importantes para o final.

Reitere as coisas importantes

Você é os olhos, ouvidos e todos os outros sentidos dos jogadores. O árbitro3 tem conhecimento total da masmorra, mas os jogadores não. A pior coisa que pode acontecer em uma masmorra de quebra-cabeça é que os jogadores não tenham a informação que deveria ser óbvia para seus personagens. Este tipo de masmorra vai desafiar mais seus jogadores do que seus personagens. Você não quer que eles tomem decisões baseadas em erros de tradução do árbitro.

As coisas podem andar rápido em um jogo e os jogadores podem não ouvir uma descrição ou podem esquecê-la. Eles podem ter perdido algo importante que faria com que eles tivessem agido de outra forma. Então, descreva novamente. 

48:22
Thrag, o acólito, decide dar a volta na sala e olhar melhor os caixões.

"Você se move de caixão em caixão. Todos eles estão abertos e você vê tesouros dentro: anéis e colares e coisas que brilham. Enquanto isso, a chave flutuante permanece imóvel no centro da sala, brilhando sob a luz da sua tocha."

Aqui eu disse ao jogador o que eles veem e reiterei as partes importantes da área no final para mantê-las na mente dos jogadores.

Não se preocupe se está sendo óbvio. Não se preocupe se revelar segredos. A informação é mais importante. É muito difícil estragar quebra-cabeças para os jogadores descrevendo coisas que seus personagens notariam.

  • Não retenha informação.
  • Repita as partes importantes.
  • Deixe as coisas importantes para o final.

"Você tropeça na coisa importante"

1:26:20
Jogador: "Nada aqui. Nós saímos da sala."
Árbitro: "Você tropeça em algo no chão que não consegue enxergar"

Apesar de seus melhores esforços, os jogadores irão perder algumas informações. Neste caso, os jogadores estavam prestes a sair da sala sem interagir com um item importante. Eles sabiam que o item estava lá, mas o desconsideraram. Eles assumiram erroneamente que não seriam capazes de tocar ou interagir com o item, então não tentaram.

Eu poderia ter deixado os jogadores sairem da sala e vagarem pelo resto da masmorra até que talvez voltassem para esta sala. Mas por que eles o fariam? Eles já tinham se convencido de que não havia nada de interessante aqui e eles não estavam pegando minhas dicas indicando o contrário.

Deixar os jogadores frustrados e vagando não seria legal para ninguém e não havia razão para isso. Os jogadores já tinham descrito as suas personagens vasculhando a sala. É lógico que eles teriam esbarrado neste item chave eventualmente. Eu só não havia descrito isso como acontecido. Então eles esbarraram na coisa importante ao saírem.

  • Não puna os jogadores por perderem algo que seria óbvio para seus personagens. 

Desenhe para os jogadores

Não sinta que você precisa encontrar as palavras certas para explicar tudo perfeitamente. Em masmorras de quebra-cabeça podem existir algumas áreas complexas com aspectos diversos. Use e abuse de ilustrações e folhetos. Uma imagem faz maravilhas. Ou então só desenhe bonecos palito e quadrados para que você possa apontar para as coisas. Informação é algo vital.

  • Mostre aos seus jogadores com o que eles podem interagir através de folhetos e desenhos.

Esteja aberto a novas ideias

2:42:16
Jogador: "Eu tento abrir a porta."
Árbitro: "Thrag corre para a porta e a empurra, mas ela não se move."
Jogador: "Eu puxo."

O que diferencia esta masmorra de quebra-cabeça de mesa analógica das masmorras de videogame de The Legend of Zelda? Os jogadores não estão limitados pelo código do jogo. Eles podem tentar qualquer coisa. Deixe-os. O árbitro deve recompensá-los por compreender seu ambiente e deve estar aberto a soluções alternativas para problemas.

  • Deixe os jogadores quebrarem os quebra-cabeças em vez de resolvê-los.

Deixe os jogadores falharem

Já que os jogadores podem fazer qualquer coisa, eles também podem tornar quebra-cabeças insolúveis. Em The Seers Sanctum4, existem lentes de vidro que são necessárias para resolver o quebra-cabeça final. Os jogadores podem quebrar as lentes. Isso abre futuros ganchos de quests5 à procura de especialistas que possam reparar os itens-chave. Os jogadores podem ganhar a atenção de um grupo de aventureiros rivais em sua quest.

O grupo poderá nunca resolver o quebra-cabeça final. Tudo bem deixá-los falhar. Finalize em grande estilo e passe para outras aventuras. Os jogadores vão ficar queimando os miolos sobre o que poderão ter perdido. Eles poderão perguntar a você, o árbitro, o que poderiam ter feito de forma diferente. Resista ao desejo de contar a eles e esta não será a última vez que eles falarão sobre a masmorra de quebra-cabeça que ainda está lá fora, com seus segredos guardando tesouros incontáveis. 

12 abril, 2024

Lista para masmorras - Texto de Arnold Kemp

 Título original: "Dungeon Checklist" Escrito originalmente por Arnold Kemp no seu blog intitulado "Goblin Punch" em 18 de janeiro de 2016

Traduzido por Felipe Tuller. 
Links originais foram mantidos. Alguns termos importantes foram destacados em negrito.
 
Às vezes eu crio masmorras. Hoje eu escrevi uma lista de coisas para colocar numa masmorra. Os primeiros itens são bastante óbvios, mas ainda é bom enumerar seu uso.

Como usar essa lista

Leia isso uma vez antes de criar sua masmorra. E então leia de novo quando terminar, para ter certeza que você pegou tudo.

1. Algo para roubar

Em primeiro lugar, tesouro dá aos jogadores uma razão para adentrar a masmorra. Pensando em metagame, tesouro é dinheiro, dinheiro é XP, e XP está ligado à ideia de progressão de personagem. É o principal impulsionador do sistema.

Dois ponto: primeiro, lembre-se de que tesouro não precisa ser tesouro. Ele pode ser:
  • Trecos brilhantes, como velhas moedas sem graça ou o sutiã de latão com joias da rainha zumbi.
  • Conhecimento, como onde encontrar mais tesouro, ou informação que você pode utilizar para chantagear o rei. Ou até mesmo um sábio que pode responder a uma única pergunta com honestidade.
  • Amizade, como um verme púrpura amoroso que segue você por aí e te protege quando ele está com fome ou um pouco entediado. Ocasionalmente, ele deixa sacos de ovos espalhados para que você os fertilize (e fica nervoso se você não sentar em cima deles por pelo menos uma hora).
  • Mecadorias, como uma carroça cheia de chá (valendo 10.000po). Quando eu distribuo grandes pacotes de mercadorias como tesouro, eu dou metade do XP agora, e a outra metade do XP quando eles são vendidos (eu simplesmente adoro a ideia de uma campanha mercantil).
  • Territorial, como uma torre que os jogadores podem reivindicar como sua, ou um apartamento numa área nobre da cidade (e as chances de serem apunhalados enquanto dormem diminuem drasticamente).
  • Trecos úteis para aventuras, como uma espada mágica, pergaminho de borrar o sol ou um paraquedas.

Segundo, tesouros também contam histórias. Cubra seu tesouro em símbolos religiosos, consagre-o com sangue de troll. Não deixe que suas moedas sejam moedas!

2. Algo para matar

Isso é bem óbvio. É claro que há coisas ameaçadoras na masmorra. Tem que haver algum desafio caso contrário não é uma masmorra. O jeito mais simples de fazer isso é usando coisas que estão tentando te matar (sim, existem masmorras sem monstros baseadas em armadilhas. Elas são legais, mas é por isso que essa lista está escrita com lápis e não em pedra). Há muitas maneiras de tornar os combates com os monstros, mesmo os mais básicos, algo mais interessante.

Lembre-se também que as masmorras contam suas histórias através de substantivos. A história da masmorra normalmente é contada através da escolha dos monstros (por que usar orcs quando você pode usar versões degeneradas e canibais dos anões que originalmente habitavam o local?) e da descrição destas criaturas (um zumbi-coberto-de-craca, um golem de ferro carbonizado por fogo de dragão, os retalhos de armadura élfica que os goblins estão vestindo, o rifle-cajado élfico que, por algum motivo, um dos goblins possui).

Exemplos: 2d6 orcs, 3d6 homens-de-lama.

3. Algo para matar você

Masmorras são criadas para serem vencidas. É por isso que nós não as enchemos com obstáculos inescapáveis (pedras caem, todo mundo morre) ou barreiras impenetráveis (sinto muito, a masmorra inteira está envolvida numa cúpula de adamantina, vocês não conseguem entrar). 

PORÉM, masmorras precisam passar a sensação de que foram criadas para serem invencíveis. É importante sentir que isso não é só uma pista de boliche onde o Mestre coloca os pinos para os jogadores derrubarem. Você precisa ter elementos mortais na sua masmorra mortal para que ela passe a sensação de ser mortal.

Siga apenas estas duas regras importantes. Tente seguir pelo menos uma delas.
  • Rotule seus trecos mortais como tal. Um dragão dormindo. Uma porta barricada pelo lado dos jogadores com uma placa avisando sobre aranhas mortais. Essas coisas já se parecem mortais de longe.
  • Uma chance de escapar. Talvez o dragão não caiba nos túneis menores ao redor de seu covil. Talvez a mantícora esteja acorrentada a uma pedra.

Ambos os pontos servem à mesma função: eles permitem que os jogadores escolham suas próprias batalhas, algo que você não consegue fazer em um jogo linear "nos trilho". Acho que é por isso que muitas pessoas da OSR odeiam lutas contra chefões: porque elas são a única batalha na masmorra que é obrigatória.

Monstros horríveis que podem ser evitados dão agência aos jogadores e permitem que eles sejam arquitetos de seu próprio fim.

Observação: eu acho que todos os combates deveriam ser escapáveis. Às vezes com algum custo (deixando para trás comida, ouro, talvez um PJ ou um auxiliar morto). Na minha experiência, PJs se matam com frequência suficiente mesmo que os inimigos nem saiam das salas nas quais estão.

Além disso, colocar monstros "invencíveis" na sua masmorra também permite que sua masmorra seja auto regulável. O grupo de nível 1 irá apenas passar de fininho pelo dragão, enquanto o grupo de nível 6 talvez considere lutar com ele para poder roubar o tesouro no qual ele está dormindo em cima. E, simples assim, uma masmorra se torna apropriada para grupos de nível 1 E TAMBÉM para grupos de nível 6 (e essa é outra razão pela qual eu acho que jogos OSR têm uma ampla gama de "níveis adequados" - é tão fácil quanto esperado que os jogadores fujam das batalhas que eles não podem vencer).

4. Caminhos alternativos

Caminhos alternativos permitem que grupos diferentes experienciem a masmorra de formas distintas. É um randomizador, similar ao que você conseguiria se pedisse salas de masmorra a um gerador de números aleatórios. E ele impede que você (o Mestre) fique entediado.

Agência do jogador. Os jogadores podem escolher o caminho para o qual estão mais preparados. Um grupo com 2 clérigos pode escolher o túnel infestado por zumbis, e o grupo com apoio aéreo pode aterrissar no pátio. Isso também ajuda a masmorra a ser um pouco auto-ajustável. Jogadores mais confiantes podem enfrentar a porta dianteira, enquanto grupos de níveis mais baixos se esgueiram ao redor pelo lado de fora.
 
Isso permite que os grupos evitem salas que eles não gostam. Parte da filosofia da OSR (do modo como eu enxergo) é a capacidade de evitar combates. Se um grupo não quer lutar contra uma sala cheia de esqueletos arqueiros enterrados nas paredes (especialmente depois que eles foram cegados na última sala) eles podem recuar e encontrar outra entrada. É uma opção que eles tem. 

A última razão para ter múltiplos caminhos é permitir a mestrificação de masmorras*1. Eu não quero dizer "mestragem" de jogo. Quero dizer que, à medida que os jogadores aprendem mais sobre a masmorra, eles se tornam melhores em se aproveitar de sua geografia. Eles podem atrair o verme de carniça para a armadilha de alçapão que eles sabem que está lá. Eles podem recuar para um caminho em loop ao invés de recuar para salas inexploradas (uma tática sempre perigosa).

Ao mesmo tempo, não inclua caminhos aleatórios só porque sim. Quanto mais caminhos você adiciona, menos linearidade haverá na sua masmorra. E às vezes você quer linearidade, principalmente quando isso envolve ensinar coisas aos jogadores, ou dar pistas. Às vezes você quer mostrar aos jogadores o corredor estranhamente limpo antes deles esbarrarem com o cubo gelatinoso. Talvez você queira que eles encontrem os zumbis com mãos de gancho antes de encontrarem a sala das mãos rastejantes ambulantes.

Não há nada de errado com um pouco de linearidade se você estiver acrescentando isso por alguma razão. Eu ainda acho que uma masmorra fortemente ramificada deva ser a suposição padrão, mas seções lineares de uma masmorra são um pecado venial, e não um pecado mortal.

5. Alguém para conversar

As pessoas esquecem esse ponto, porém este é o que eu mais me importo. Me importo tanto para usar caps lock: TODA MASMORRA PRECISA TER ALGUÉM PARA CONVERSAR. É um jogo de interpretação de papéis. NPCs são a maneira mais simples e mais fácil de dar profundidade à sua masmorra. É fácil porque todo mundo sabe como interpretar um goblin prisioneiro genérico e tem uma boa ideia de quais informações/serviços aquele goblin prisioneiro pode oferecer. E isso traz profundidade porque há diversas formas de como o grupo pode usar o goblin prisioneiro. Não há praticamente nenhuma encheção de linguiça - você não precisa inventar novas mecânicas e praticamente não gasta espaço ao escrever "há um goblin numa jaula. Seu nome é Zerglum e ele foi preso por seus colegas por ter libertado os ratos".

O problema é que muitas masmorras são cofres de tesouros, tumbas e minas abandonadas. A única criatura que normalmente se encontra nesses locais são mortos-vivos, golems, limos e vermes com cadeias alimentares ambíguas. Nenhum desses é conhecido por serem tagarelas. Então, aqui estão algumas opções:
  • Grupo de aventureiros rivais.
  • Goblins nunca precisam de uma justificativa.
  • Efeito mágico, como um feitiço de Boca mágica tagarela ou algo assim.
  • Ninfa do cemitério.
  • Fantasmas. Crie um do tipo simpático. Todo mundo espera que eles sejam babacas.
  • Uma cabeça de ghoul, apoiada numa prateleira. Ela consegue falar se você soprar pelo buraco do pescoço.
  • Um velhinho preso em uma pintura. Se comunica através de pinturas.
  • Um demônio preso em um espelho. Se comunica repetindo as frases de quem fala com ele.
  • Uma máquina de guerra antiga aprisionada por uma mina em estase. Procura inimigos que morreram há milhares de anos atrás, irá se autodestruir quando descobrir que perdeu a guerra.
  • Considere dar feitiços como Falar com os mortos ou Falar com fechaduras aos seus jogadores. Masmorras normalmente possuem essas coisas.
  • Súcubo demoníaca que passou os últimos 1.000 anos em uma cama, aprisionada por fios de prata tecidos em círculos no lençol.
  • Bárbaros montando pterodáctilos que estão saqueando o local.
  • Um mago deslocado temporalmente, preso em um paradoxo enquanto explorava o local. Reseta a cada 3 minutos.

6. Algo para experimentar

Além de algo que provavelmente vai descer o cacete no grupo, eu acho que esse ponto é o mais OSR da lista.

São coisas inexplicáveis, o estranho e o desconhecido. E não quero dizer desconhecido no sentido de que uma poção não identificada é desconhecida. Quero dizer algo que introduza uma nova camada no jogo.
  • Uma sala com duas portas de tamanhos diferentes. Tudo que é colocado na porta pequena emerge da porta grande com o dobro do tamanho e vice-versa. Tudo que atravessa a mesma porta duas vezes na mesma direção (aumentado duas vezes, diminuído duas vezes) recebe consequências terríveis. 
  • Um pedestal. Qualquer coisa colocada sobre ele se torna algo oposto (então, o oposto de uma espada é um machado, mas qual é o oposto de uma banana?)
  • Um esqueleto de metal. Se um crânio é colocado em cima dele, Falar com os mortos é conjurado sobre ele.
  • Poços dos desejos que são portais para outras pequenas lagoas da masmorra. Aonde o portal leva é determinado por qual item você joga no poço antes de entrar nele. Moedas de cobre, moedas de prata, moedas de ouro, gemas e flechas levam a lugares distintos.
  • Uma máquina que transforma produtos processados em matéria bruta, e matéria bruta em munições.
  • Um relógio solar que controla o sol.
  • Um golem-barco que foge de barulhos altos. Você pode direcionar seu movimento ficando na parte de trás e gritando.
  • Dois buracos numa parede. Se dois membros são colocados nos buracos, eles são trocados. Se apenas um membro é colocado no buraco, ele é amputado. Pode ser utilizado para acoplar novos membros em pessoas amputadas.

Há uma coincidência aqui com itens mágicos. Também há coincidência com coisas não-mágicas. Também há uma coincidência com combates, porque alguns combates podem ser como quebra-cabeças, ou podem depender de novas regras/condições de vitória.

Combate, para jogadores experientes, em sua maioria, é um problema já resolvido. Trecos estranhos são importantes porque dão aos jogadores um problema não resolvido.

Jogadores sabem como tirar melhor proveito de seus ataques e habilidades. Claro, você pode sacudir um pouco as coisas e forçá-los a pensar em táticas diferentes. Mas, na maior parte dos casos, eles já sabem como utilizar seus personagens da melhor forma. Afinal de contas, eles já vem praticando isso por vários níveis de personagem.

(é importante deixar que seus jogadores pratiquem as coisas nas quais eles são bons, ou seja, combater com seus personagens, mas também é importante jogar umas chaves inglesas nas engrenagens).

Trecos estranhos seguem suas próprias regras. De uma hora para outra, os jogadores não sabem como resolver um tal problema e eles têm que descobrir de novo.

Pontos extras se for algo que tem o potencial de desbalancear o seu jogo. Nada dá a um jogador mais agência do que a habilidade de tirar completamente o seu cenário dos trilhos (não que você precise ir tão longe).

Mais pontos extras se for algo que à primeira vista provavelmente irá machucar os jogadores, mas que pode ser usado para seu benefício uma vez que eles entendam como aquilo funciona.

Uma última mordomia: isso dá aos personagens de nível 1 a chance de serem jogadores de nível 10. Qualquer pessoa pode colocar um braço num buraco na parede, e qualquer pessoa pode deduzir o que aquilo faz. Trecos estranhos normalmente apresentam ameaças e recompensas que independem do nível do grupo *2.

7. Algo que os jogadores provavelmente não irão encontrar

Este ponto talvez seja controverso. Por que colocar coisas na sua masmorra que seus jogadores não irão encontrar?

Primeiro, você não precisa colocar muitas coisas na masmorra. Apenas algumas palavras aqui e ali para recompensar os jogadores que são mais minusciosos. "Dentro do estômago do vorme púrpura há uma bolsa do infinito cheia com 1.000 galões de ácido estomacal de vorme púrpura". Ou "o capitão pirata tem uma barra de ouro escondida em sua perna postiça, envolvida em feltro para que não fique retinindo". Não é como se você estivesse criando várias salas legais que ninguém vai apreciar (que dizer... às vezes eu faço isso).

Eu acho que é importante esconder coisas porque há um prazer sincero em explorar e testar os limites. Se todas as coisas na masmorra são óbvias, por que se importar com o que está no fundo do poço? Há algo interessante enterrado debaixo de toda essa lama? Jogadores que não tem tempo ou recursos para explorar 100% a masmorra (e eles não deveriam ter) sempre sairão com uma sensação de enormidade, de que sempre haveria mais a ser encontrado.

Claro, completude é uma sensação boa, mas maravilhamento também é.

Eu gosto de recompensar pessoas que são boas no jogo. E ser bom em encontrar coisas (pensando em onde elas podem estar, explorando estes locais apesar dos riscos envolvidos) é uma das formas que o jogador pode ser bom em D&D. Eu já escrevi sobre isso antes.

Esse ponto deve ser um espectro. Algumas coisas (a maioria das coisas) devem estar à céu aberto. Algumas coisas devem estar escondidas por detrás das cortinas. E algumas coisas devem estar profundamente enfiadas nas dobras da masmorra.

Então, sim: da próxima vez que você decorar uma sala com um mural de um rei derrotado prestando tributo ao seu conquistador, coloque de fato um baú com tesouros nas paredes atrás da pintura de um baú com tesouros (eu mestrei essa masmorra três vezes e ninguém encontrou ele. Eu fico animadinho toda vez que eu descrevo isso para os jogadores).

Também há esqueletos mortos-vivos enterrados na parede atrás das pinturas de esqueletos. Ninguém os nunca os encontrou também. Mas, um dia, um grupo com a dose certa de ganância, esperteza e paciência irá encontrá-los, e isso vai ser incrível.

*1 "dungeon mastery" no original. Aqui o autor faz uma brincadeira com o termo "Dungeon Master", ou "DM", um termo comum em inglês para se referir ao "mestre do jogo" dos RPGs.
*2 "level-agnostic" no original. Uma brincadeira com o termo "system-agnostic" ou "independente do sistema", que é utilizado para dizer que uma aventura ou algum material de RPG que não tem o seu uso restrito a um sistema de RPG específico.

05 dezembro, 2023

Como você nunca deve descrever uma masmorra! - texto de Diogo Nogueira


Título original: "How to never describe a dungeon!"
Escrito originalmente por Diogo Nogueira no seu blog intitulado "Old Skulling" em 29 de setembro de 2017.
Traduzido por Felipe Tuller.


Eu já ouvi isso mil vezes. Você provavelmente também já ouviu. Algumas pessoas, eu não sei por quê, dizem que masmorras, especialmente as grandes, são chatas. As infinitas repetições de salas e corredores e ter que escolher ir para a esquerda, direita, norte ou sul os deixa deprimidos. Não sei porquê. Na verdade, eu sei porquê.

Porque eles realmente não sabem como mestrar uma masmorra durante o jogo. Parece fácil, algo que não exige esforço. Basta dizer o que está na sala em que os PJs estão e aonde as passagens vão dar. Mas não é assim. Eles ficam entediados com o tal de "você chega a um cruzamento e há uma porta para o norte e duas passagens, uma indo para o leste e outra para o oeste", porque essa é uma maneira terrível de descrever os arredores de uma masmorra e não apresenta nada realmente útil para os jogadores escolherem.

Nunca descreva uma masmorra assim. Há muito mais acontecendo do que podemos ver inicialmente. Um bom árbitro1 tomará todo o contexto do que era a masmorra, o que ela é agora, quem viveu lá, quem vive lá agora, quem ou o que passou por uma passagem e usar tudo isso para descrever a masmorra, para torná-la viva e real. Se o corredor no leste leva a uma caverna natural coberta de cogumelos e miconídeos, talvez quando os PJs olharem para essa passagem eles verão uma luz fluorescente fraca que emana do musgo estranho que vive lá, e sentirão uma leve brisa fresca soprando daquela direção. Algum musgo pode estar crescendo nesse corredor também. Se a oeste houver um ninho de aranhas gigantes, esse corredor certamente terá mais teias de aranha cobrindo-o do que as outras passagens pelas quais passaram, e algumas delas ainda estarão vibrando, como se algo vivo estivesse tocando a teia.

O que as pessoas que pensam que as masmorras são chatas e repetitivas não entendem é que as masmorras podem ser tão surpreendentes e excitantes quanto qualquer outra coisa (se não mais, já que sob a terra, longe das leis da natureza e da luz ofuscante do sol, qualquer coisa pode existir). E é o trabalho do árbitro passar essa informação e sentimento aos jogadores. Explorar uma masmorra é basicamente um exercício de escolha. Cada quarto, cada corredor, cada passagem oferece uma escolha. Será que entramos? Vamos para o norte, sul, leste, oeste?

E sendo uma escolha, ela só faz sentido se não for uma escolha aleatória. Os jogadores precisam de algumas informações para fazer essa escolha, caso contrário, eles podem simplesmente rolar um dado, ou o árbitro pode escolher para eles. Sendo assim, o árbitro deve fornecer algumas pistas, alguns sinais. Ele precisa apresentar cada escolha dentro de um contexto que possa ser utilizado pelos jogadores para extrapolar o que essa escolha possa levar. Ele não precisa deixar claro e dizer que essa passagem leva ao homem cogumelo e às aranhas gigantes, mas os elementos que ele apresenta devem ter uma conexão com o resultado. Alcançar o resultado certo depende totalmente dos jogadores. É aí que a habilidade do jogador2 entra também.

Então aí está. Nunca descreva uma masmorra de forma fria e simplista como "uma sala com passagens norte, oeste e leste". Pense sobre o que está através dessas passagens. O que passou por essas salas. Pense sobre quais sinais seriam deixados para trás. Que pistas são deixadas para trás para que os PJs possam tentar fazer uma escolha melhor para si mesmos. Dê pelo menos um elemento para basear a sua escolha. Se pudere, dê a eles 3 pistas para cada opção. Pensem nos seus sentidos. Que cheiro eles sentem? O que podem sentir? Eles veem alguma coisa? Eles ouvem algum barulho? Um gosto ruim aparece de repente em sua boca por causa do cheiro que eles sentiram?