21 abril, 2024

Seis culturas de jogo - Texto de John Bell

Título original: "Six Cultures of Play" Escrito originalmente por John Bell no seu blog intitulado "Retired Adventurer" em 06 de abril de 2021
Traduzido por Felipe Tuller. 
Parte dos links originais foram mantidos. Artigos da Wikipedia, quando possível, foram trocados por seu equivalente na versão em português.

Nessa postagem irei apresentar a taxonomia das seis principais culturas de jogo assim como algumas notas sobre as suas origens históricas. Estou fazendo isso para ajudar pessoas de diferentes culturas de jogo a entenderem seus próprios valores e também para encorajar uma melhor e mais produtiva discussão intercultural.

Há pelo menos seis culturas de jogo principais que surgiram ao longo do RPG enquanto hobby. Pode haver mais: a minha análise está restrita principalmente às culturas do RPG de língua inglesa, embora pelo menos três delas também estejam presentes significativamente em culturas de línguas não inglesas. Além dessas seis culturas, há uma proto-cultura que existiu entre 1970 a 1976, antes que a organização entre culturas se estabelecesse.

Uma cultura de jogo é um conjunto de normas organizadas (objetivos, valores, tabus, etc), considerações e técnicas que definem um grupo de pessoas que são tão numerosas a ponto de não estarem  todas em contato umas com as outras (vamos chamar isso de "comunidade"). Essas culturas de jogo são transmitidas por uma variedade de mídias, que vão desde livros e aventuras até pessoas ensinando umas às outras, artigos de revista e programas online via streaming. Uma cultura de jogo é bastante similar à "Network of practice", para quem está familiarizado com o jargão.

Pessoas que habitam o hobby, tendo sido alinhadas ou treinadas em uma ou mais dessas culturas, desenvolvem então estilos individuais. Gostaria de salientar que falar sobre jogos específicos como parte inerente de alguma cultura é algo enganoso, porque jogos podem ser jogados de modos variados, de acordo com os valores de diferentes culturas. Porém, muitos jogos contém textos nos quais advoga para que sejam jogados de uma maneira que está alinhada com uma cultura em particular, ou contém elementos que expressam a adoção, por parte de seu criador, de um conjunto de valores ligadas a uma cultura particular.
 

As seis culturas

1) Clássica

O jogo clássico é orientado pelo desenvolvimento progressivo e encadeado de desafios e poderes de PJs, no qual as regras existem para ajudar a manter tais características numa proporção aproximada entre elas e julgar a interação entre os dois "de maneira justa". Isso é explícito nas dicas para os Mestres do Guia do Mestre do AD&D 1e, mas reaparece em diversos outros lugares, talvez de maneira mais óbvia em módulos de torneio, especialmente a série "R" publicada pela RPGA nos seus primeiros três anos de existência, nos quais se enfatizavam trocas periódicas em certas partes da aventura para criar uma experiência "justa" para os jogadores que circulavam entre as diversas mesas de torneio.

O foco no jogo baseado em desafio significa muitas aventuras de viagem e labirintos sinuosos e recicla a mesma notação para descrever vilas, que também são tratadas como locais de desafios. Em determinado momento, os jogadores se tornam poderosos o suficiente para comandar domínios, e isso expande ainda mais o escopo do desafio ao permitir que hordas enormes se envolvam em conflitos no estilo dos wargames. O objetivo de jogar o jogo no modo clássico não é contar uma história (mas tudo bem se for o caso), ao invés disso o foco do jogo é lidar com desafios e ameaças que aumentam gradativamente seu escopo e o seu poder à medida que os PJs aumentam de nível. A ideia de campanhas mais longas com progressão lenta e contínua no poder dos PJs sendo interrompido apenas pela morte ocasional é uma jogabilidade ideal para a cultura clássica.

Isso surge em algum momento entre 1976 e 1977, quando Gygax muda sua ideia inicial de que OD&D é um "não-jogo" para tentar estabilizar a experiencia de jogo. Tudo começa com ele condenando "Dungeons and Beavers" e outras derivações do seu próprio estilo na edição de abril de 1976 da Strategic Review, mas isso muda ainda mais com o cronograma de publicação da TSR de 1977 em diante. Especificamente, eles começam a disponibilizar exemplos de jogos de modo concreto - masmorras e cenários de amostra, incluindo módulos - e dicas específicas aos consumidores sobre a forma adequada dos procedimentos de jogo e de seus valores.

Essa mudança começa com a publicação do Basic de Holmes (1977) e Lost Caverns of Tsojcanth (1977), antes de eventualmente culminar no AD&D (1977 & 1979) e a linha BECMI escrita por Metzer (1983-1986). A Judges Guild, a RPGA, a Dragon Magazine e até mesmo outras editoras (Mayfair games, por exemplo) pegaram carona nessa ideia e disseminam as normas Clássicas por aí antes de Gygax e Mentzer saírem da TSR no começo de 1985 ou 1986. A Judges Guild perde sua licença para publicar materiais de D&D em 1985, e os torneios do RPGA abandonam o jogo clássico em meados de 1983. A maioria dos outros criadores na TSR tinham mudado para o "trad" (veja abaixo) até meados dos anos 1980 e então o suporte institucional para esse estilo começa a perder a importância, apesar de pessoas continuarem a mestrar e jogar em mesas "clássicas".

O Clássico é revivido no começo dos anos 2000 quando os remanescentes que continuaram a jogar nesse estilo usaram a internet para se reunirem em fóruns como Dragonsfoot, Knights and Knaves  Alehouse e outros, e esse renascimento é parte do que motivou o lançamento de OSRIC (2006). NB: este é o único nome neste ensaio que não é uma autodenominação usada pelos próprios praticantes, embora Gus L. do blog All Dead Generations tenha interesse em muitas de suas ideias e chame seu próprio estilo de "clássico".

Uma peculiaridade estranha da história é que as pessoas que estavam tentando reviver o clássico no começo dos anos 2000 são frequentemente alocadas na OSR, apesar dos dois grupos na verdade terem normas e valores distintos. Algumas dessas confusões se devem ao fato de que algumas pessoas chaves e notáveis (por exemplo, Matt Finch) de fato mudaram de serem revivalistas clássicos para serem fundadores pioneiros da OSR. Porque ambos os grupos estão interessados em jogo baseado em desafios, mesmo que eles tenham posições distintas no significado do desafio, há momentos de coincidência produtiva e de interação (e também muitas disputas bobas e deboches; é a vida).

Essa mistura de pessoas vindas de culturas de jogo diferentes, que inicialmente pareciam ser parte do mesmo movimento, mas que acabam se interessando em coisas diferentes, é algo bem comum - jogos de história e LARP nórdicos passam por uma mistura semelhante antes de se dividirem em coisas diferentes (mais sobre isso em um segundo).
 

2) Trad (abreviação de "tradicional")

Seus próprios adeptos e defensores a chamam de "trad", mas não devíamos defini-la como a forma mais antiga de RP (ela não é). Trad não é o que Gary & companhia fizeram (isso é o "clássico"), e sim a reação ao que eles faziam.

O trad defende que o principal objetivo de um jogo é criar uma narrativa satisfatória de modo emocionante, e que o Mestre é o agente criativo principal para fazer com que isso ocorra - construir o mundo, estabelecer todos os detalhes da história, jogar com todos os antagonistas e fazer isso principalmente de acordo com seus gostos e opiniões particulares. O PJ pode contribuir, mas suas contribuições são secundárias em valor e em autoridade em relação ao Mestre. Se você já ouviu pessoas reclamando sobre (ou exaltando!) jogos que dão a sensação de se guiarem por um romance de fantasia, trata-se de trad. O trad valoriza jogos que produzem experiências comparáveis com outras mídias, como filmes, romances, televisão, mitos, etc, e seus valores frequentemente encorajam adaptações de técnicas dessas mídias.

O trad surge no final dos anos 1970, com um centro intelectual inicial situado no grupo de Dungeons and Beavers da Caltech, mas também no círculo de jogo de Tracy e Laura Hickman em Utah. O incidente definidor para Tracy evidentemente foi esbarrar em um vampiro numa masmorra e pensar que aquilo merecia uma história para explicar o que ele estava fazendo enquanto perambulava lá dentro. Hickman escreveu uma série de aventuras nos anos 1980 (a série Night Verse) que tentava incorporar mais elementos narrativos, mas a empresa que deveria publicá-las faliu. Então ele decidiu vendê-las para a TSR, mas eles só as comprariam se ele fosse trabalhar para eles. Então, em 1982, ele foi trabalhar na TSR e em alguns anos, suas ideias se espalhariam pela empresa e se tornaria a visão central do que era "roleplaying". 

O trad ganha sua primeira publicação que articula sua visão de jogo fora da TSR no Call of Cthulhu de Sandy Petersen (1981), que diz ao leitor que o objetivo do jogo é criar uma experiência como uma história de terror e fornece dicas específicas (o modelo "camadas de cebola") para criar isso. Os valores do trad se cristalizam como uma cultura de jogo distinta e importante dentro do D&D com os módulos Ravenloft (1983) e Dragonlance (1984), escritos por Hickman. A TSR publicou Ravenloft em resposta ao sucesso comercial e de críticas do Call of Cthulhu, e então ela própria recebeu um punhado de prêmios e vendeu toneladas de cópias.

Dentro de poucos anos, as ideias de "jogo de interpretação de personagens, e não jogo de rolar dados"1 e da importância de um Mestre que crie uma narrativa elaborada e emocionalmente satisfatória se tornaram dominantes. Creio que a capacidade de importar termos e ideias de outras formas de arte provavelmente também ajudaram um bocado, já que qualquer pessoa que passou por algumas disciplinas de humanas na faculdade consegue compreender o trad.

O trad é a cultura de jogo hegemônica pelo menos desde meados dos anos 1980 até o início dos anos 2000, e ainda é um estilo de jogo bastante comum. Para um exemplo bastante bem pensado visto pelas lentes de alguém que tem sido influente nos últimos 15 anos, dê uma olhada no RPG Lexicon de S. John Ross.

Os próximos dois estilos surgem a partir de problemas com o trad, especialmente com a experiência de jogar Vampiro (um jogo "mais tradicional impossível" nas aspirações de seus autores), mas os detalhes disso são grades demais para esse ensaio dar conta, então eu vou apenas deixar uma menção a isso e reserva-los para outra ocasião.
 

3) Larp nórdico

Novamente, essa é uma autodenominação. A palavra "nórdico" refere-se mais às origens e à maior parte da base de jogadores do que de fato uma delimitação regional de qualquer tipo. A designação "Larp" faz parte do nome por razões que me escapam, apesar dessas ideias terem começado com RPGs de mesa, e da sua filosofia e suas aspirações serem realizáveis tanto em jogos de mesa quanto em jogos "de se vestir". (nota de edição: pronunciar seu nome como se não fosse um acrônimo é uma crença ultrapassada do Larp nórdico, então, para seguir o princípio da autodeterminação, eu editei o texto para seguir essa convenção ao me referir a essa cultura, mas mantive a atividade com LARP).

O larp nórdico é criado com base na ideia de que o objetivo central de um RPG é a imersão numa experiência. Normalmente numa experiência de um personagem específico,  mas às vezes num outro tipo de experiência na qual jogador e personagem não se distinguem tanto. Quanto mais "bleed" você consegue criar entre o jogador e o papel que ele ocupa dentro do jogo, melhor. Larps nórdicos geralmente apresentam "sessões" bem longas (como excursões de fim de semana) seguidas de bate papos longos nos quais o participante processa as experiências que teve na pele do personagem.
 
Incorporar o personagem do jogador dentro de uma história maior pode ser uma maneira de produzir experiências vívidas e imersivas, mas não é algo necessário e talvez possa interferir no seu sucesso (especialmente quando feito de uma forma ruim). Jogadores de Larp nórdico enfatizam seus aspectos colaborativos, mas quando você se aprofunda nesse aspecto, se trata da rejeição da ideia trad de um único Mestre-autor criando uma experiência, e a colaboração está lá à serviço do melhoramento da imersão, misturando a agência do jogador e do personagem de forma mais completa.

Eu acho que LARP invoca a imagem de pessoas fazendo cosplay do gênero de fantasia, e às vezes há elementos disso no Larp nórdico, mas eu realmente acho que a tendência tem sido se afastar de jogos fantásticos e se aproximar de cenários e configurações que são mais próximos da vida real, já que isso permite a incorporação da arquitetura moderna, da tecnologia e de outros detalhes do mundo real para facilitar a imersão.

A primeira grande publicação do Larp nórdico de que eu tenho notícia é profundamente autoconsciente Manifesto da Escola Turku, escrito por Mike Pohjola no ano 2000, e eu acho que a comunidade inicial está dialogando com o pessoal do Forge, embora os dois grupos tenham ideais de jogo bem distintos. Em 2005, temos grupos específicos como o Jeep desenvolvendo essas ideias, e em 2010 temos a publicação do livro intitulado Larp nórdico. Hoje em dia, também temos uma wiki e um site oficial.

Larp nórdico é a parte do RPG que parece receber mais subsídios e fundos para estudos acadêmicos. Eu não tenho certeza do porquê, embora eu suspeite que parte disso tenha a ver com o interesse de comercializar as ideias do LARP para criar experiências de entretenimento imersivo para turistas em mega-resorts nos países do Conselho de Cooperação do Golfo. Eu não vou indicar aqui nenhum indivíduo específico relacionado ao Larp nórdico que tenha empregos lá para evitar expor a privacidade de certos invíduos, mas eles existem (por favor, não exponha ninguém nos comentário também).
 

4) Jogos de história ("Story Games")

Novamente, uma autodenominação. A maioria das pessoas que não gostam deles os chamam de coisas como "jogos da Forge" ou "jogos indies pós-Forge" devido aos fóruns de RPG indie The Forge. "RPGs indies" foi um termo usado em relação a eles por um tempo, mas eu não acho que isso era particularmente distintivo ou edificante, e evidentemente aqueles que aderiram a essa cultura também não, já que eles praticamente abandonaram o termo. Aqui está uma postagem do Across the Table discutindo a origem do termo "jogos de história".

O "Big Model" é notoriamente obtuso e a teoria pós-Forge tem muitas ideias que eu discordo fortemente, mas eu acho que uma caracterização  justa da sua posição que não utilize sua própria terminologia é a de que a experiência de jogo ideal minimiza a dissonância ludonarrativa. Um bom jogo possui uma consonância entre os desejos das pessoas jogando, as próprias regras e as dinâmicas dessas coisas interagindo. Juntas, essas coisas permitem que as pessoas obtenham seus desejos, sejam eles quais forem. A "incoerência" deve ser evitada, pois cria "jogo nulo" ou "dano cerebral" como já nomeou Ron Edwards uma vez.

O pessoal dos jogos de história, todo mérito a eles, está disposto a ser bastante radical em relação às técnicas para obter esse fim - tanto as próprias mecânicas quanto o desenvolvimento de posições (jogadores narrativistas costumam chama-las de "Agendas Criativas") como "narrativismo" visam criar consonância e evitar dissonância em tantos níveis quanto possíveis.

Jogos de história começam com Ron Edwards em 1999, quando ele escreve Sistema Importa e cria a Forge. Em 2004 temos o Glossário Provisório e o Big Model, e um milhão de discussões na internet sobre o que é e o que não é "narrativismo" e o quanto de "dano cerebral" os RPGs estão causando, etc. Os fóruns The Story Games em si são criados em 2006 como um sucessor ao Forge. Ao longo da última década, o grande agrupamento para criação de jogos de história tendeu a se orientar em torno de jogos "Powered by the Apocalypse", padronizados a partir ou construido sobre Apocalypse World de Vincent Baker.

Aliás, se você quer um bom exemplo de alguém aplicando as normas culturais dos jogos de história a um jogo que foi escrito para ser jogado de uma maneira trad, The Sacrament of Death de Eero Tuovinen descreve suas experiências fazendo exatamente isso.
 

5) A OSR ("Renascença/Reavivamento da Velha Escola")

Sim, isso aparece tarde na enumeração cronológica. E, sim, a OSR não é o jogo "clássico". É uma reinvenção romântica, e não uma cadeia ininterrupta da tradição.
 
A OSR se inspira no jogo baseado em desafio da protocultura do D&D e combina isso com um interesse na agência do PJ, particularmente através da tomada de decisão. O objetivo é um jogo no qual as tomadas de decisão do PJ, especialmente a tomada de decisão diegética, é o motivador do jogo. Eu acho que você consegue observar isso de uma forma bastante pura nos conselhos que Chris McDowall dá em seu blog para mestrar Into the Odd e Eletric Bastionland.
 
Uma observação importante que farei aqui é distinguir a jogabilidade baseada em desafio gradual da cultura "clássica" da jogabilidade baseada em desafio mais variável da OSR. A OSR basicamente não se importa com "balanceamento" no contexto do "balanceamento do jogo" (Gygax se importava). A variação na agência do jogador ao longo de uma série de decisões é bem mais importante para a maioria dos jogadores da OSR do que ela é para jogadores clássicos.
 
A OSR rejeita especificamente  a mediação autoritária  de uma estrutura de regras pré-existentes para poder encorajar interações diegéticas usando o que S. John Ross chamaria de "recursos efêmeros" e "livros de regras invisíveis", e que a OSR chama de "jogando com o mundo" e "habilidade do jogador", respectivamente. Basicamente, ao não se restringir pelas regras, você pode jogar com recursos num espaço mais amplo que ajudam a estabelecer diferenças em agências de PJs de modos potencialmente muito precisos e finamente graduadas, e isso permite que você crie uma ampla variedade de desafios para que os jogadores possam superar. Eu poderia escrever uma postagem inteira apenas sobre o que tabelas de encontros aleatórios se propõem a fazer, mas digamos que elas se relacionam com a variação na agência e introduzem surpresas e imprevisibilidade, garantindo que a agência possa variar com o passar do tempo.
 
Eu tendo a marcar o início da OSR logo após a publicação do OSRIC (2006), que abriu a possibilidade de usar a OGL para republicar as mecânicas do D&D antigo, pré-3.x. Com essa nova opção, tínhamos pessoas que basicamente queriam reviver o AD&D 1e enquanto um jogo vivo e pessoas que queriam usar conjuntos de regras antigas como um propulsor para suas próprias criações. Em 2007 foi lançado Labyrinth Lord, e a avalanche veio logo após. A OSR inicial tinha o Grognardia para fornecer uma visão reconstruída do passado e se posicionar como sua herdeira, possuia um desenvolvimento intelectual distinto como os "diagramas de Melan" para masmorras e os pointcrawls de Chris Kutalik, e eu diria que ela passou os anos entre 2006 e mais ou menos 2012 formatando suas normas sob um conjunto de ideias sobre o estilo de jogo pertinente de maneira relativamente consistente.
 

6) OC / Neo-trad

Esse é o único termo que não é totalmente uma autodenominação, apesar de que "OC" possa ser incluído a uma postagem de "procurando mesa" online para recrutar pessoas dessa cultura de forma consistente, então é algo próximo. Eu também chamo isso de "neo-trad", em primeiro lugar porque a cultura de RPG OC compartilha muitas das mesmas normas do trad, em segundo lugar porque eu acho que as pessoas que pertencem a essa cultura acreditam que fazem parte do trad. Às vezes também é possível ver esse estilo ser chamado de "o estilo moderno" quando contrastado com a OSR. Aqui está um exemplo de alguém que usa o nome "neo-trad" elaborando uma ideia bem pura do estilo (apesar de que eu discorde com a lista de jogos apresentadas como exemplos de neo-trad no final do artigo). No Reddit, "OC" é frequentemente chamado de "moderno", como quando se diz "o jeito moderno de se jogar" ou "jogos modernos".

OC basicamente concorda com o trad de que o objetivo do jogo é contar uma história, mas diminui a autoridade do Mestre como o criador daquela história e aumenta o papel dos jogadores enquanto criadores e contribuidores. O Mestre se torna um curador e um facilitador que basicamente trabalha com materiais derivados de outras fontes - na prática, de editoras e de jogadores. A cultura OC possui um sentido diferente para o que é uma "história", focando em suas aspirações e interesses e em seus desejos como sendo o melhor caminho para produzir "diversão" para os jogadores.

Esse foco em realizar as aspirações do jogador é o que permite tanto que o Mago nível 20 conjurando Chuva de Meteoros para aniquilar um adversário e as pessoas que estão usando D&D 5e para simular a administração de um restaurante fictício a serem parte de uma mesma cultura de jogo. Essa cultura às vezes é pejorativamente  chamada de "Tirania da Diversão" (um termo forjado na OSR), por conta do seu foco em gratificações relativamente rápidas se comparadas a outros estilos. 

O termo "OC" significa "original character" ("personagem original") e vem do roleplay online sem regras bem definidas realizados por fãs de franquias que era popular no Livejournal e em plataformas similares no começo dos anos 2000. "OC" é quando você chega com um personagem original em um RPG situado no universo de Harry Potter ao invés de jogar como Harold, o policial, sendo ele mesmo. Apesar de ser "sem regras bem definidas" (o que significa: sem rolagens de dados e sem Mestre de Jogo), esses jogos normalmente tem conjuntos de regras bem grandes sobre os tipos de afirmações que uma pessoa pode introduzir no jogo, com jogadores usando o conjunto de regras uns contra os outros para resolver disputas. Para as gerações mais jovens de jogadores de RPG, jogos desse tipo muitas vezes foram sua porta de entrada para o hobby.

Eu acho que RPG OC surge durante a era do 3.x (2000-2008), provavelmente com o crescimento das Aventuras Base de Living Greyhawk e o aparato de "mesa oficial", e os jogos online com estranhos de forma mais geral. Mesas oficiais acabaram diminuindo o poder do Mestre e concedendo autoridade aos textos de regras, editoras, administradores e, na verdade, aos jogadores. Já que Mestres podem variar de aventura em aventura, mas os personagens dos jogadores permanece, eles se tornam mais importantes, com regras padronizadas proporcionando compatibilidade entre os jogos. O "critério do Mestre" e a invenção se tornam coisas que interferem com essa intercompatibilidade e, portanto, são depreciadas. É aqui que vem a ênfase em "RAW" ("rules as written" ou "regras ao pé da letra") e o uso exclusivo de material oficial (mas também a ideia de que se é algo publicado, deve estar disponível na mesa) - isso mina o poder do Mestre e dá o poder nas mãos dos PJs.

Essas normas foram reforçadas e espalhadas por fóruns sobre "otimização de personagem" que baseavam exclusivamente no texto e depreciavam a "determinação do Mestre"2, e pelas ferramentas oficiais de criação de personagem no D&D e em outros jogos. Módulos, que limitam de modo importante o critério do Mestre para fornecer um conjunto de condições fixas para os jogadores, são outros apoios importantes para esse estilo. Estilos OC são particularmente populares em jogos online via streaming como Critical Role, já que quando bem feitos produzem jogos que são bem fáceis de  assistir como programas de TV. Os personagens na stream se tornam objetos de inspiração com os quais uma base de fãs desenvolve um relacionamento parasocial e com os quais eles comemora quando finalizam seus "arcos".
 

Sem quiz, sem rótulos

Quando eu apresentei isso aqui em um fórum pela primeira vez, alguém disse brincando que eu tinha que fazer um quiz para as pessoas determinarem a qual cultura de jogo elas pertenciam, mas eu prefi não fazer isso. Na verdade, eu acho que a maioria dos jogadores e dos grupos são uma misturas de culturas, com essa mistura se mostrando como um estilo individual. As culturas de jogo são mais como paradigmas - elas são coerentes em um nível de valores e reflexão sobre o que "excelência de jogo" poderia significar (dito de maneira mais formal, elas compartilham "teloi" de jogo). Fazer parte de uma cultura de jogo é, em algum sentido, a capacidade de reconhecer quando outra pessoa está jogando de acordo com um conjunto de valores que você compartilha com ela.

Meu objetivo principal com a taxonomia acima é ajudar as pessoas a entenderem melhor que há paradigmas de jogo distintos, que valorizam coisas diferentes, apesar deles poderem ser costurados todos juntos (com toda a sorte de resultados divertidos) em situações concretas. Eu duvido que esta lista seja exaustiva, e provavelmente há culturas que eu deixei de fora, bem como outras que ainda estão para nascer. O objetivo principal dessa lista é ilustrar brevemente que há muitos valores de jogo distintos, e também discutir a lógica que anima algumas das mais conhecidas.

O objetivo inicial deste ensaio era falar sobre RPG OC, já que eu acho que essa é a cultura menos bem caracterizada por aí, e a maioria das caracterizações são relativamente pejorativas (veja "tirania da diversão" acima). Também tende a haver muita confusão entre pessoas que atuam dentro dos paradigmas do OC e do trad, já que eles normalmente usam os mesmos termos para se referir a coisas bastante distintas.
 
Além disso, sem querer ser babaca, o RPG OC tende a ser o paradigma padrão dos novos jogadores entrando no hobby via streaming, e então eles tem a maior quantidade de pessoas que são despreparadas e ignorantes em relação à história do RPG. Eu tenho esperança de que articulando os seus valores e relacionando-os com o restante do hobby os encorajará a desenvolver a cultura do RPG OC de formas interessantes e robustas, enquanto também os afasta da arrogância em relação à universalidade da sua visão.

Estou esperançoso de que a taxonomia acima vai ajudar as pessoas a apreender e navegar as diferenças entre as culturas e os estilos ao invés de constantemente dar de cara com becos sem saída quando os pressupostos básicos sobre o jogo na qual a pessoa está se apoiando simplesmente não forem compartilhados por seu(s) interlocutor(es).

Eu, infelizmente, não posso responder diretamente aos comentários do blog, então se as pessoas deixarem comentários ou perguntas sobre a taxonomia acima, eu irei agrupá-las e responder em uma postagem futura.

1 "roleplaying, not rollplaying" no original. Um trocadilho que enfatiza a valorização da interpretação e da narrativa pela cultura "trad" do RPG.
2 "DM fiat" no original. Uma expressão bastante comum no meio do RPG anglófono que faz referência ao poder de arbítrio do Mestre, que pode criar ou ignorar regras do sistema e/ou simplesmente dizer o que acontece na realidade ficcional do jogo da maneira que melhor lhe convém.

Então você quer mestrar uma Masmorra de Quebra-Cabeças: dicas e procedimentos para quebra-cabeças agradáveis - texto de Direct Sun

 

Título original: "So you want to run a Puzzle Dungeon: Tips and procedures for pleasant puzzling"
Escrito originalmente por Direct Sun no seu blog intitulado "Direct Sun Games" em 7 de fevereiro de 2022. Grifos, formatação e links do original foram mantidos.
Traduzido por Felipe Tuller.

Eu tive a chance de mestrar minha masmorra de quebra-cabeça, Aberrant Reflections, para o Plus One Exp. Foi o máximo. Vou fazer referência à linha do tempo das filmagens do jogo para que você possa ver as partes mencionadas. Pule para 2:46:27 se quiser uma retrospectiva do jogo e discussão de design. 

Aviso: As coisas no vídeo não acontecem exatamente como eu descrevo no texto. Deixa rolar.

O que é uma Masmorra Quebra-cabeça?

Mark Brown, do Game Master’s Toolkit1, tem uma série excelente sobre quebra-cabeças de Zelda.  Os vídeos valem uma assistida, mas vou parafrasear aqui.

Uma masmorra de quebra-cabeça é uma experiência polida semelhante a resolver um cubo mágico pelo lado de dentro. As masmorras não são apenas um recipiente para os quebra-cabeças, mas o recipiente em si é um quebra-cabeça. Completar essas masmorras requer uma mistura de raciocínio espacial e navegação em um cenário tridimensional complexo.

Esta última parte deve soar familiar. Fazer com que os jogadores reflitam sobre o ambiente ao seu redor é um clássico de um bom design de masmorra. Pode não ser chamado pelo nome nos artigos do "Jaquaying the Dungeon" de The Alexandrian, mas é exatamente isso que Caverns of Thracia encoraja com seus andares famosamente interconectados.  

Masmorras de quebra-cabeças têm um monte de coisas rolando:

  •     Recontextualização de áreas previamente visitadas
  •     Subseções com seus próprios temas e histórias
  •     Itens-chave e aprimoramentos2
  •     Ensino incremental de novas mecânicas


Então, como você garante a mesma experiência polida, de jogo de vídeo, de masmorra de quebra-cabeça em jogos de mesa? 

Não sobrecarregue os jogadores

45:32
"Vocês chegam numa sala circular com caixões de pedra. No centro da sala, está uma laje de pedra a cerca de 3 metros de altura. Pairando acima da laje há uma chave."

Aqui está uma descrição composta por algumas frases sobre as principais características da sala. Os jogadores podem tomar decisões sobre o que gostariam de investigar e interagir. Eles podem perguntar sobre os caixões. Você diria a eles como as tampas dos caixões foram removidas e ossos quebrados jaziam sob elas. A parte importante aqui está no final. Uma investigação mais aprofundada revela que esses ossos foram roídos por algo que ainda pode estar nos arredores.

Os jogadores podem perguntar sobre a chave flutuante e você diria a eles como ela é roxa e parece ser feita de ferro forjado e flutua imóvel. A parte importante aqui está no final, já que logo ficará claro que a chave não está exatamente flutuando sozinha.

  •     Descreva as coisas que seriam imediatamente aparentes para os personagens dos jogadores.
  •     Deixe que os PJs investiguem cada coisa e então você pode entrar em mais detalhes.
  •     Deixe as coisas importantes para o final.

Reitere as coisas importantes

Você é os olhos, ouvidos e todos os outros sentidos dos jogadores. O árbitro3 tem conhecimento total da masmorra, mas os jogadores não. A pior coisa que pode acontecer em uma masmorra de quebra-cabeça é que os jogadores não tenham a informação que deveria ser óbvia para seus personagens. Este tipo de masmorra vai desafiar mais seus jogadores do que seus personagens. Você não quer que eles tomem decisões baseadas em erros de tradução do árbitro.

As coisas podem andar rápido em um jogo e os jogadores podem não ouvir uma descrição ou podem esquecê-la. Eles podem ter perdido algo importante que faria com que eles tivessem agido de outra forma. Então, descreva novamente. 

48:22
Thrag, o acólito, decide dar a volta na sala e olhar melhor os caixões.

"Você se move de caixão em caixão. Todos eles estão abertos e você vê tesouros dentro: anéis e colares e coisas que brilham. Enquanto isso, a chave flutuante permanece imóvel no centro da sala, brilhando sob a luz da sua tocha."

Aqui eu disse ao jogador o que eles veem e reiterei as partes importantes da área no final para mantê-las na mente dos jogadores.

Não se preocupe se está sendo óbvio. Não se preocupe se revelar segredos. A informação é mais importante. É muito difícil estragar quebra-cabeças para os jogadores descrevendo coisas que seus personagens notariam.

  • Não retenha informação.
  • Repita as partes importantes.
  • Deixe as coisas importantes para o final.

"Você tropeça na coisa importante"

1:26:20
Jogador: "Nada aqui. Nós saímos da sala."
Árbitro: "Você tropeça em algo no chão que não consegue enxergar"

Apesar de seus melhores esforços, os jogadores irão perder algumas informações. Neste caso, os jogadores estavam prestes a sair da sala sem interagir com um item importante. Eles sabiam que o item estava lá, mas o desconsideraram. Eles assumiram erroneamente que não seriam capazes de tocar ou interagir com o item, então não tentaram.

Eu poderia ter deixado os jogadores sairem da sala e vagarem pelo resto da masmorra até que talvez voltassem para esta sala. Mas por que eles o fariam? Eles já tinham se convencido de que não havia nada de interessante aqui e eles não estavam pegando minhas dicas indicando o contrário.

Deixar os jogadores frustrados e vagando não seria legal para ninguém e não havia razão para isso. Os jogadores já tinham descrito as suas personagens vasculhando a sala. É lógico que eles teriam esbarrado neste item chave eventualmente. Eu só não havia descrito isso como acontecido. Então eles esbarraram na coisa importante ao saírem.

  • Não puna os jogadores por perderem algo que seria óbvio para seus personagens. 

Desenhe para os jogadores

Não sinta que você precisa encontrar as palavras certas para explicar tudo perfeitamente. Em masmorras de quebra-cabeça podem existir algumas áreas complexas com aspectos diversos. Use e abuse de ilustrações e folhetos. Uma imagem faz maravilhas. Ou então só desenhe bonecos palito e quadrados para que você possa apontar para as coisas. Informação é algo vital.

  • Mostre aos seus jogadores com o que eles podem interagir através de folhetos e desenhos.

Esteja aberto a novas ideias

2:42:16
Jogador: "Eu tento abrir a porta."
Árbitro: "Thrag corre para a porta e a empurra, mas ela não se move."
Jogador: "Eu puxo."

O que diferencia esta masmorra de quebra-cabeça de mesa analógica das masmorras de videogame de The Legend of Zelda? Os jogadores não estão limitados pelo código do jogo. Eles podem tentar qualquer coisa. Deixe-os. O árbitro deve recompensá-los por compreender seu ambiente e deve estar aberto a soluções alternativas para problemas.

  • Deixe os jogadores quebrarem os quebra-cabeças em vez de resolvê-los.

Deixe os jogadores falharem

Já que os jogadores podem fazer qualquer coisa, eles também podem tornar quebra-cabeças insolúveis. Em The Seers Sanctum4, existem lentes de vidro que são necessárias para resolver o quebra-cabeça final. Os jogadores podem quebrar as lentes. Isso abre futuros ganchos de quests5 à procura de especialistas que possam reparar os itens-chave. Os jogadores podem ganhar a atenção de um grupo de aventureiros rivais em sua quest.

O grupo poderá nunca resolver o quebra-cabeça final. Tudo bem deixá-los falhar. Finalize em grande estilo e passe para outras aventuras. Os jogadores vão ficar queimando os miolos sobre o que poderão ter perdido. Eles poderão perguntar a você, o árbitro, o que poderiam ter feito de forma diferente. Resista ao desejo de contar a eles e esta não será a última vez que eles falarão sobre a masmorra de quebra-cabeça que ainda está lá fora, com seus segredos guardando tesouros incontáveis. 

12 abril, 2024

Impacto - Texto de Arnold Kemp

 Título original: "Impact" Escrito originalmente por Arnold Kemp no seu blog intitulado "Goblin Punch" em 05 de outubro de 2017

Traduzido por Felipe Tuller. 
Links originais foram mantidos. 
 
Então, você está jogando D&D e está lutando contra alguns orcs. Todos os orcs estão armados com espanadores de pena, então na verdade eles são incapazes de machucarem qualquer um. E o seu Mestre não premia XP por combate, então eles dão 0 de XP ao serem mortos.

Esse combate é uma perda de tempo. Você está apenas rolando dados até que os orcs morram.

O encontro é uma bosta porque o encontro não causa impacto.

Impacto: a habilidade de alterar permanentemente o jogo. O oposto de impacto é "fluff". *1

Impacto se relaciona com o quanto seus jogadores se importam. Se ninguém está dando atenção ao resultado deste encontro, é difícil se divertir. Eu acho que muitos Mestres cometem o erro de criar encontros de baixo impacto.

Vou começar falando sobre encontros de combate, mas boa parte disso aqui também se aplica a encontros não relacionados a combate.

Como aumentar o impacto

Esgotar recursos

Sim, esgotar magias/PVs/poções é uma forma de impacto. É baixo impacto, quase que por definição. Podemos fazer melhor.

Em muitas aventuras publicadas, as lutas são fortemente inclinadas em favor dos PJs, que normalmente não precisam gastar muitos recursos para vencer. O único motivo para rodar encontros como esse é fazer os jogadores se sentirem bem/poderosos (não é algo que eu recomendo que você crie de caso pensado - isso acontece por si só, quando é algo merecido) ou para ensinar as regras a eles (e há maneiras melhores de fazer isso do que gastar o tempo de todos com encontros no estilo "fluff").

Matando personagens

Para a maioria dos jogadores, essa é a coisa mais impactante que pode acontecer. É também meio merda quando acontece. Nós podemos conversar sobre o quanto de letalidade é desejável em outra postagem, mas meu ponto é o seguinte...

Alto risco faz com que as pessoas prestem atenção. Por esse motivo, combates difíceis são necessariamente algo de alto impacto.

Caros leitores de fora da OSR: essa é uma das razões pelas quais o pessoal da OSR está sempre advogando a favor de combates potencialmente letais. Não porque nós gostamos de criar novos personagens, mas porque os combates são mais significativos. É a mesma razão pela qual muitos Mestres de mesas "sandbox" aceitam jogadores depondo reis, queimando cidades inteiras e basicamente só criando uma grande confusão.

Eu não vou argumentar a favor de que você deva tornar todos os seus combates algo brutalmente difícil. Combates fáceis tem o seu lugar. Mas se você vai criar um combate fácil, ele precisa ser impactante de alguma outra maneira (veja também: o restante desta postagem).

É perfeitamente possível que um combate de alta letalidade mantenha todos atentos, estressados e entediados. Ficar preso numa sala com um Wight, sem nenhuma maneira de feri-lo, rolando dados por 20 minutos enquanto todos os seus personagens morrem inevitavelmente (isso não é diferente dos orcs com espanadores, na verdade).

Se você se encontrar em um combate de baixo impacto, desconsidere-o. Na última vez que joguei D&D, meus jogadores emboscaram três clérigos velhinhos (não mágicos, nível zero). O combate durou 30 segundos, porque eu simplesmente deixei que os jogadores narrassem como eles venceram.

Mutando a ficha de personagem

Quando eu digo "ataque todas as partes da ficha de personagem", e a isso que me refiro.
 
Esta é uma categoria bem ampla. Sim, ela inclui mutações de fato. Este sou eu lhe dizendo que dar um Machado de Mutação ao orc saqueador é uma excelente ideia.
 
Você pode destruir itens (monstros da ferrugem), drenar níveis (Wight), etc. (Anúncio de utilidade pública: efeitos negativos dessa magnitude devem ser telegrafados, e os jogadores devem ter a chance de evitar o combate. Não embosque os jogadores usando Wights).
 
Você também pode mutar itens, mutar feitiços, transformar moedas de ouro em moedas de cobre, transformar moedas de cobre em moedas de prata, cegar um PJ permanentemente, dar a um jogador a habilidade de enxergar no escuro permanentemente, bagunçar seus atributos, bagunçar suas perícias, roubar um item de seu inventário, queimar todos os pergaminhos de seu inventário com fogo de dragão, trocar seu sexo, amaldiçoá-los.

E lembre-se, todos esses efeitos devem ser telegrafados antes de serem jogados em cima do grupo. A ideia é fazer com que o grupo dê atenção ao resultado ao subir as apostas, então isso não funciona se eles não souberem que as apostas subiram.

Anjos que podem converter os personagens à força para a sua religião. Já que demora alguns "acertos" antes que os PJs sejam convertidos, eles têm tempo para fugir (que é o objetivo dos PVs, afinal).

Ninfas que convencem os PJs a viver com ela por dois anos também podem ter um grande impacto no jogo. Os jogadores devem conhecer os riscos antes de procurar uma ninfa.

E todo mundo sabe que se deve evitar gurgans. Eca.
 

"Eu vasculho o corpo"

É, o básico do básico. Eu sei.

DICA DE MESTRE: aumente o engajamento fazendo com que os inimigos utilizem os itens legais em combate; não deixe-o no bolso deles para que eles descubram no fim da luta.

Não precisa nem ser algo mágico. Tipo, dê a um dos orcs um chicote com uma garra de águia na ponta e um crânio de água na empunhadura. Foda pra caralho.

Ou então eles têm poções malucas. Perca 1 ponto de CON permanentemente para entrar numa super-fúria. Faça com que pelo menos um orc beba a poção durante o combate, com mais frascos visíveis dentro do casaco dele para que os jogadores saibam o que receberão quando vencerem.

Ou então, tipo, da próxima vez que os jogadores critarem*2 o orc, a algibeira de moedas do orc rasga e moedas saem rolando pelo chão (além dos efeitos usuais de um crítico). Mostre aos jogadores o quê está em jogo.
 

Ganhando XP

Sim, esse tipo de coisa existe.

Quando eu usava XP para quests nas minhas mesas de Pathfinder, eu costumava dar um panfleto aos jogadores com todas as quests disponíveis, com todas as recompensas associadas. Eu meio que reviro os olhos pra esse tipo de coisa hoje em dia, mas isso cumpria o objetivo de mostrar o quê estava em jogo.
 

Relacionar com outras partes do mapa

É a isso que me refiro quando eu digo "encontros aleatórios não significam encontros desconexos".

Talvez o orc super bem vestido seja o filho do líder e peça para ser resgatado quando se render (encontros aleatórios precisam se conectar com coisas foras de si mesmas).

Talvez eles estejam salvando a vida do rei. Se forem derrotados nesse combate, o rei será assassinado.

Essa é também uma oportunidade para os jogadores mostrarem os seus valores. Deixe que eles tenham a possibilidade de alterar o mapa de jogo, e garanta que eles saibam disso.
 

Informação

Talvez o simples fato de um dos orcs estar no castelo signifique que alguém botou ele pra dentro... mas por quê?

Talvez um dos orcs tenha um mapa incompleto de uma masmorra próxima.

Talvez os orcs prometam lhe dar a senha para a Torre do Wyvern se você os deixar fugir.

Os orcs tem suas mãos tatuadas de preto, indicando que eles treinaram em Ungra, especializados em matar magos, e foram contratados por um preço bem caro.

Um dos orcs está carregando ferramentas de ladrão e está coberto de queimaduras de ácido bem recentes (um cadeado próximo possui armadilhas de mangueiras com ácido).
 

Fluff é aceitável

Não há nada de errado num combate divertido. Fluff tem o seu lugar.

Descanso: Combates fáceis podem ser um ótimo descanso depois de uma matança.

Delírio de poder: Talvez você esteja jogando com crianças de dez anos e o aniversariante do dia se sentiria feliz com uma espada mágica.

Ambiente: Um corpo sendo devorado por fantasmas famintos pode estabelecer bem o clima (nenhuma informação útil foi adquirida, nenhuma interação real exceto observação).

Objetivos pessoais: Não há nenhum benefício nisso, mas talvez um dos PJs jurou humilhar todos os bardos que cruzasse seu caminho. Que seja. É importante para o conceito do personagem.

Comédia: Lutar contra goblins bêbados no meio de uma manada de porcos.

Lembre-se apenas de que você pode aumentar o impacto sem aumentar a dificuldade. Talvez dê a um dos goblins um ferrete fervendo. Causa o mesmo dano, mas agora os personagens têm as iniciais "QQ" permanentemente marcadas em seus traseiros.
  • Não muda o jogo
  • Ainda pode ser interessante (por exemplo, você encontra o homem-pavão sendo devorado por fantasmas famintos; ele não tem nada de interessante para dizer ou lhe dar).
  • Pode ser interessante para uma "ego trip".

Usando impacto de forma errada 

Impacto não é a mesma coisa que diversão. Use-o para fazer os jogadores reagirem. Talvez eles estejam com medo de morrer e detestem combates mortais. Talvez eles queiram ser heróis e respondem muito bem a heroísmos cívicos, tais como salvar reis.

Então fique atento ao impacto na próxima vez que jogar um grupo aleatório de 3d6 goblins contra o seu grupo. Não deixe que se torne apenas "fluff".

 
*1 Em sentido literal, "Fluff" significa "algo fofo", como penugem de ovelha ou o material utilizado para estofar ursinhos de pelúcia. No contexto do RPG de mesa, "fluff" pode ser entendido como uma metáfora para algo supérfluo, não essencial ou algo que serve apenas para preencher espaço vazio.
*2 "Crit on the orc" no original. Optamos por traduzir pelo neologismo "critar", comum no vocabulário dos RPGs. Se refere à mecânica de "acerto crítico".

Lista para masmorras - Texto de Arnold Kemp

 Título original: "Dungeon Checklist" Escrito originalmente por Arnold Kemp no seu blog intitulado "Goblin Punch" em 18 de janeiro de 2016

Traduzido por Felipe Tuller. 
Links originais foram mantidos. Alguns termos importantes foram destacados em negrito.
 
Às vezes eu crio masmorras. Hoje eu escrevi uma lista de coisas para colocar numa masmorra. Os primeiros itens são bastante óbvios, mas ainda é bom enumerar seu uso.

Como usar essa lista

Leia isso uma vez antes de criar sua masmorra. E então leia de novo quando terminar, para ter certeza que você pegou tudo.

1. Algo para roubar

Em primeiro lugar, tesouro dá aos jogadores uma razão para adentrar a masmorra. Pensando em metagame, tesouro é dinheiro, dinheiro é XP, e XP está ligado à ideia de progressão de personagem. É o principal impulsionador do sistema.

Dois ponto: primeiro, lembre-se de que tesouro não precisa ser tesouro. Ele pode ser:
  • Trecos brilhantes, como velhas moedas sem graça ou o sutiã de latão com joias da rainha zumbi.
  • Conhecimento, como onde encontrar mais tesouro, ou informação que você pode utilizar para chantagear o rei. Ou até mesmo um sábio que pode responder a uma única pergunta com honestidade.
  • Amizade, como um verme púrpura amoroso que segue você por aí e te protege quando ele está com fome ou um pouco entediado. Ocasionalmente, ele deixa sacos de ovos espalhados para que você os fertilize (e fica nervoso se você não sentar em cima deles por pelo menos uma hora).
  • Mecadorias, como uma carroça cheia de chá (valendo 10.000po). Quando eu distribuo grandes pacotes de mercadorias como tesouro, eu dou metade do XP agora, e a outra metade do XP quando eles são vendidos (eu simplesmente adoro a ideia de uma campanha mercantil).
  • Territorial, como uma torre que os jogadores podem reivindicar como sua, ou um apartamento numa área nobre da cidade (e as chances de serem apunhalados enquanto dormem diminuem drasticamente).
  • Trecos úteis para aventuras, como uma espada mágica, pergaminho de borrar o sol ou um paraquedas.

Segundo, tesouros também contam histórias. Cubra seu tesouro em símbolos religiosos, consagre-o com sangue de troll. Não deixe que suas moedas sejam moedas!

2. Algo para matar

Isso é bem óbvio. É claro que há coisas ameaçadoras na masmorra. Tem que haver algum desafio caso contrário não é uma masmorra. O jeito mais simples de fazer isso é usando coisas que estão tentando te matar (sim, existem masmorras sem monstros baseadas em armadilhas. Elas são legais, mas é por isso que essa lista está escrita com lápis e não em pedra). Há muitas maneiras de tornar os combates com os monstros, mesmo os mais básicos, algo mais interessante.

Lembre-se também que as masmorras contam suas histórias através de substantivos. A história da masmorra normalmente é contada através da escolha dos monstros (por que usar orcs quando você pode usar versões degeneradas e canibais dos anões que originalmente habitavam o local?) e da descrição destas criaturas (um zumbi-coberto-de-craca, um golem de ferro carbonizado por fogo de dragão, os retalhos de armadura élfica que os goblins estão vestindo, o rifle-cajado élfico que, por algum motivo, um dos goblins possui).

Exemplos: 2d6 orcs, 3d6 homens-de-lama.

3. Algo para matar você

Masmorras são criadas para serem vencidas. É por isso que nós não as enchemos com obstáculos inescapáveis (pedras caem, todo mundo morre) ou barreiras impenetráveis (sinto muito, a masmorra inteira está envolvida numa cúpula de adamantina, vocês não conseguem entrar). 

PORÉM, masmorras precisam passar a sensação de que foram criadas para serem invencíveis. É importante sentir que isso não é só uma pista de boliche onde o Mestre coloca os pinos para os jogadores derrubarem. Você precisa ter elementos mortais na sua masmorra mortal para que ela passe a sensação de ser mortal.

Siga apenas estas duas regras importantes. Tente seguir pelo menos uma delas.
  • Rotule seus trecos mortais como tal. Um dragão dormindo. Uma porta barricada pelo lado dos jogadores com uma placa avisando sobre aranhas mortais. Essas coisas já se parecem mortais de longe.
  • Uma chance de escapar. Talvez o dragão não caiba nos túneis menores ao redor de seu covil. Talvez a mantícora esteja acorrentada a uma pedra.

Ambos os pontos servem à mesma função: eles permitem que os jogadores escolham suas próprias batalhas, algo que você não consegue fazer em um jogo linear "nos trilho". Acho que é por isso que muitas pessoas da OSR odeiam lutas contra chefões: porque elas são a única batalha na masmorra que é obrigatória.

Monstros horríveis que podem ser evitados dão agência aos jogadores e permitem que eles sejam arquitetos de seu próprio fim.

Observação: eu acho que todos os combates deveriam ser escapáveis. Às vezes com algum custo (deixando para trás comida, ouro, talvez um PJ ou um auxiliar morto). Na minha experiência, PJs se matam com frequência suficiente mesmo que os inimigos nem saiam das salas nas quais estão.

Além disso, colocar monstros "invencíveis" na sua masmorra também permite que sua masmorra seja auto regulável. O grupo de nível 1 irá apenas passar de fininho pelo dragão, enquanto o grupo de nível 6 talvez considere lutar com ele para poder roubar o tesouro no qual ele está dormindo em cima. E, simples assim, uma masmorra se torna apropriada para grupos de nível 1 E TAMBÉM para grupos de nível 6 (e essa é outra razão pela qual eu acho que jogos OSR têm uma ampla gama de "níveis adequados" - é tão fácil quanto esperado que os jogadores fujam das batalhas que eles não podem vencer).

4. Caminhos alternativos

Caminhos alternativos permitem que grupos diferentes experienciem a masmorra de formas distintas. É um randomizador, similar ao que você conseguiria se pedisse salas de masmorra a um gerador de números aleatórios. E ele impede que você (o Mestre) fique entediado.

Agência do jogador. Os jogadores podem escolher o caminho para o qual estão mais preparados. Um grupo com 2 clérigos pode escolher o túnel infestado por zumbis, e o grupo com apoio aéreo pode aterrissar no pátio. Isso também ajuda a masmorra a ser um pouco auto-ajustável. Jogadores mais confiantes podem enfrentar a porta dianteira, enquanto grupos de níveis mais baixos se esgueiram ao redor pelo lado de fora.
 
Isso permite que os grupos evitem salas que eles não gostam. Parte da filosofia da OSR (do modo como eu enxergo) é a capacidade de evitar combates. Se um grupo não quer lutar contra uma sala cheia de esqueletos arqueiros enterrados nas paredes (especialmente depois que eles foram cegados na última sala) eles podem recuar e encontrar outra entrada. É uma opção que eles tem. 

A última razão para ter múltiplos caminhos é permitir a mestrificação de masmorras*1. Eu não quero dizer "mestragem" de jogo. Quero dizer que, à medida que os jogadores aprendem mais sobre a masmorra, eles se tornam melhores em se aproveitar de sua geografia. Eles podem atrair o verme de carniça para a armadilha de alçapão que eles sabem que está lá. Eles podem recuar para um caminho em loop ao invés de recuar para salas inexploradas (uma tática sempre perigosa).

Ao mesmo tempo, não inclua caminhos aleatórios só porque sim. Quanto mais caminhos você adiciona, menos linearidade haverá na sua masmorra. E às vezes você quer linearidade, principalmente quando isso envolve ensinar coisas aos jogadores, ou dar pistas. Às vezes você quer mostrar aos jogadores o corredor estranhamente limpo antes deles esbarrarem com o cubo gelatinoso. Talvez você queira que eles encontrem os zumbis com mãos de gancho antes de encontrarem a sala das mãos rastejantes ambulantes.

Não há nada de errado com um pouco de linearidade se você estiver acrescentando isso por alguma razão. Eu ainda acho que uma masmorra fortemente ramificada deva ser a suposição padrão, mas seções lineares de uma masmorra são um pecado venial, e não um pecado mortal.

5. Alguém para conversar

As pessoas esquecem esse ponto, porém este é o que eu mais me importo. Me importo tanto para usar caps lock: TODA MASMORRA PRECISA TER ALGUÉM PARA CONVERSAR. É um jogo de interpretação de papéis. NPCs são a maneira mais simples e mais fácil de dar profundidade à sua masmorra. É fácil porque todo mundo sabe como interpretar um goblin prisioneiro genérico e tem uma boa ideia de quais informações/serviços aquele goblin prisioneiro pode oferecer. E isso traz profundidade porque há diversas formas de como o grupo pode usar o goblin prisioneiro. Não há praticamente nenhuma encheção de linguiça - você não precisa inventar novas mecânicas e praticamente não gasta espaço ao escrever "há um goblin numa jaula. Seu nome é Zerglum e ele foi preso por seus colegas por ter libertado os ratos".

O problema é que muitas masmorras são cofres de tesouros, tumbas e minas abandonadas. A única criatura que normalmente se encontra nesses locais são mortos-vivos, golems, limos e vermes com cadeias alimentares ambíguas. Nenhum desses é conhecido por serem tagarelas. Então, aqui estão algumas opções:
  • Grupo de aventureiros rivais.
  • Goblins nunca precisam de uma justificativa.
  • Efeito mágico, como um feitiço de Boca mágica tagarela ou algo assim.
  • Ninfa do cemitério.
  • Fantasmas. Crie um do tipo simpático. Todo mundo espera que eles sejam babacas.
  • Uma cabeça de ghoul, apoiada numa prateleira. Ela consegue falar se você soprar pelo buraco do pescoço.
  • Um velhinho preso em uma pintura. Se comunica através de pinturas.
  • Um demônio preso em um espelho. Se comunica repetindo as frases de quem fala com ele.
  • Uma máquina de guerra antiga aprisionada por uma mina em estase. Procura inimigos que morreram há milhares de anos atrás, irá se autodestruir quando descobrir que perdeu a guerra.
  • Considere dar feitiços como Falar com os mortos ou Falar com fechaduras aos seus jogadores. Masmorras normalmente possuem essas coisas.
  • Súcubo demoníaca que passou os últimos 1.000 anos em uma cama, aprisionada por fios de prata tecidos em círculos no lençol.
  • Bárbaros montando pterodáctilos que estão saqueando o local.
  • Um mago deslocado temporalmente, preso em um paradoxo enquanto explorava o local. Reseta a cada 3 minutos.

6. Algo para experimentar

Além de algo que provavelmente vai descer o cacete no grupo, eu acho que esse ponto é o mais OSR da lista.

São coisas inexplicáveis, o estranho e o desconhecido. E não quero dizer desconhecido no sentido de que uma poção não identificada é desconhecida. Quero dizer algo que introduza uma nova camada no jogo.
  • Uma sala com duas portas de tamanhos diferentes. Tudo que é colocado na porta pequena emerge da porta grande com o dobro do tamanho e vice-versa. Tudo que atravessa a mesma porta duas vezes na mesma direção (aumentado duas vezes, diminuído duas vezes) recebe consequências terríveis. 
  • Um pedestal. Qualquer coisa colocada sobre ele se torna algo oposto (então, o oposto de uma espada é um machado, mas qual é o oposto de uma banana?)
  • Um esqueleto de metal. Se um crânio é colocado em cima dele, Falar com os mortos é conjurado sobre ele.
  • Poços dos desejos que são portais para outras pequenas lagoas da masmorra. Aonde o portal leva é determinado por qual item você joga no poço antes de entrar nele. Moedas de cobre, moedas de prata, moedas de ouro, gemas e flechas levam a lugares distintos.
  • Uma máquina que transforma produtos processados em matéria bruta, e matéria bruta em munições.
  • Um relógio solar que controla o sol.
  • Um golem-barco que foge de barulhos altos. Você pode direcionar seu movimento ficando na parte de trás e gritando.
  • Dois buracos numa parede. Se dois membros são colocados nos buracos, eles são trocados. Se apenas um membro é colocado no buraco, ele é amputado. Pode ser utilizado para acoplar novos membros em pessoas amputadas.

Há uma coincidência aqui com itens mágicos. Também há coincidência com coisas não-mágicas. Também há uma coincidência com combates, porque alguns combates podem ser como quebra-cabeças, ou podem depender de novas regras/condições de vitória.

Combate, para jogadores experientes, em sua maioria, é um problema já resolvido. Trecos estranhos são importantes porque dão aos jogadores um problema não resolvido.

Jogadores sabem como tirar melhor proveito de seus ataques e habilidades. Claro, você pode sacudir um pouco as coisas e forçá-los a pensar em táticas diferentes. Mas, na maior parte dos casos, eles já sabem como utilizar seus personagens da melhor forma. Afinal de contas, eles já vem praticando isso por vários níveis de personagem.

(é importante deixar que seus jogadores pratiquem as coisas nas quais eles são bons, ou seja, combater com seus personagens, mas também é importante jogar umas chaves inglesas nas engrenagens).

Trecos estranhos seguem suas próprias regras. De uma hora para outra, os jogadores não sabem como resolver um tal problema e eles têm que descobrir de novo.

Pontos extras se for algo que tem o potencial de desbalancear o seu jogo. Nada dá a um jogador mais agência do que a habilidade de tirar completamente o seu cenário dos trilhos (não que você precise ir tão longe).

Mais pontos extras se for algo que à primeira vista provavelmente irá machucar os jogadores, mas que pode ser usado para seu benefício uma vez que eles entendam como aquilo funciona.

Uma última mordomia: isso dá aos personagens de nível 1 a chance de serem jogadores de nível 10. Qualquer pessoa pode colocar um braço num buraco na parede, e qualquer pessoa pode deduzir o que aquilo faz. Trecos estranhos normalmente apresentam ameaças e recompensas que independem do nível do grupo *2.

7. Algo que os jogadores provavelmente não irão encontrar

Este ponto talvez seja controverso. Por que colocar coisas na sua masmorra que seus jogadores não irão encontrar?

Primeiro, você não precisa colocar muitas coisas na masmorra. Apenas algumas palavras aqui e ali para recompensar os jogadores que são mais minusciosos. "Dentro do estômago do vorme púrpura há uma bolsa do infinito cheia com 1.000 galões de ácido estomacal de vorme púrpura". Ou "o capitão pirata tem uma barra de ouro escondida em sua perna postiça, envolvida em feltro para que não fique retinindo". Não é como se você estivesse criando várias salas legais que ninguém vai apreciar (que dizer... às vezes eu faço isso).

Eu acho que é importante esconder coisas porque há um prazer sincero em explorar e testar os limites. Se todas as coisas na masmorra são óbvias, por que se importar com o que está no fundo do poço? Há algo interessante enterrado debaixo de toda essa lama? Jogadores que não tem tempo ou recursos para explorar 100% a masmorra (e eles não deveriam ter) sempre sairão com uma sensação de enormidade, de que sempre haveria mais a ser encontrado.

Claro, completude é uma sensação boa, mas maravilhamento também é.

Eu gosto de recompensar pessoas que são boas no jogo. E ser bom em encontrar coisas (pensando em onde elas podem estar, explorando estes locais apesar dos riscos envolvidos) é uma das formas que o jogador pode ser bom em D&D. Eu já escrevi sobre isso antes.

Esse ponto deve ser um espectro. Algumas coisas (a maioria das coisas) devem estar à céu aberto. Algumas coisas devem estar escondidas por detrás das cortinas. E algumas coisas devem estar profundamente enfiadas nas dobras da masmorra.

Então, sim: da próxima vez que você decorar uma sala com um mural de um rei derrotado prestando tributo ao seu conquistador, coloque de fato um baú com tesouros nas paredes atrás da pintura de um baú com tesouros (eu mestrei essa masmorra três vezes e ninguém encontrou ele. Eu fico animadinho toda vez que eu descrevo isso para os jogadores).

Também há esqueletos mortos-vivos enterrados na parede atrás das pinturas de esqueletos. Ninguém os nunca os encontrou também. Mas, um dia, um grupo com a dose certa de ganância, esperteza e paciência irá encontrá-los, e isso vai ser incrível.

*1 "dungeon mastery" no original. Aqui o autor faz uma brincadeira com o termo "Dungeon Master", ou "DM", um termo comum em inglês para se referir ao "mestre do jogo" dos RPGs.
*2 "level-agnostic" no original. Uma brincadeira com o termo "system-agnostic" ou "independente do sistema", que é utilizado para dizer que uma aventura ou algum material de RPG que não tem o seu uso restrito a um sistema de RPG específico.