Tradução do texto: "The Golden Age of TTRPGs is Dead". Escrito originalmente por Ben Riggs no subreddit r/Rpg em dezembro de 2023.
A Era de Ouro dos RPGs de mesa está Morta
TL;DR: Muitos RPGs de mesa pós-OGL foram lançados com sucesso. Esse sucesso dividirá a comunidade dos RPGs de mesa, encerrando o que já foi uma era de ouro do hobby.
Estamos presenciando um momento excelente e especial na indústria de RPGs de mesa desaparecer diante de nossos olhos.
Por volta do início da década de 2010, vimos o surgimento de uma nova era de ouro dos RPGs de mesa. Desde então, um grande número de novos jogadores encontrou o hobby graças ao Stranger Things e aos jogos em lives, como Critical Role. Esses novos fãs descobriram uma indústria de RPGs de mesa vibrante e pulsante. Havia a família de jogos de fantasia D20, dominada pelo D&D 5E, mas também havia uma abundância de outros jogos publicados sob a OGL e os terrenos férteis da Old School Renaissance. Havia outras editoras mainstream com marcas renomadas, como Call of Cthulhu, Deadlands e Shadowrun. Por fim, havia uma cena florescente de RPGs de mesas independentes que revolucionou o que um RPG de mesa poderia ser, como Apocalypse World.
Esse influxo de jogadores criou uma maré crescente que levantou todos os barcos. Jogadores novatos começavam jogando D&D 5E, sim, mas acabavam descobrindo outros grandes jogos. Por causa da OGL, inúmeras empresas e designers podiam ganhar dinheiro criando para D&D 5E. Devido ao número crescente de jogadores, até mesmo ideias estranhas, esquisitas ou bizarras de RPGs de mesa podiam encontrar seu público. Você já ouviu falar do RPG Apollo 47 Technical Manual?
Porém acontecimentos recentes deixam claro que essa radiante era de ouro está chegando ao fim, assim como a máquina a vapor encerrou a era da vela, ou hobbits carregando um anel encerraram a Terceira Era da Terra-média.
A derrocada do nosso tempo se aproxima.
Após o escândalo da Licença de Jogo Aberto (“Open Gaming License”, a OGL) no inverno passado, várias empresas foram bem-sucedidas em lançar novos RPGs de mesa, com a intenção de se afastar da possibilidade da Wizards of the Coast ameaçar seus negócios novamente. Alguns dos jogos arrecadaram milhões em campanhas de financiamento coletivo. Todos foram positivamente avaliados.
Alguns citam o sucesso desses jogos, que têm como objetivo substituir o conteúdo da 5E/OGL para as empresas envolvidas, como sinais de contínua saúde e crescimento da indústria de RPGs de mesa.
Eles não são.
Ao invés disso, são sinais de que a indústria atingiu seu auge e pode estar prestes a entrar em declínio.
Por quê?
Após a crise da Licença de Jogo Aberto de 2023, fiquei pessimista quanto aos danos que a tentativa de acabar com a OGL causou ao nosso hobby. Outros me disseram que o resultado da crise seria o florescimento de mil flores. Desencorajados de usar 5E por conta da tentativa da Wizards of the Coast de acabar com a OGL, todos nós veríamos novos RPGs de mesa incríveis.
Talvez todos esses novos RPGs de mesa sejam incríveis. Talvez todos sejam tão divertidos, tão cativantes, que gramados ficarão por cortar, animais de estimação por alimentar e fraldas por trocar porque todos estaremos ocupados demais jogando um desses jogos.
O problema é que o mercado dos RPGs de mesa é infernalmente difícil. Apenas raramente a criação de um jogo fenomenal leva ao sucesso financeiro.
E o fim da OGL e a criação desses jogos mudaram fundamentalmente a indústria de tal forma que será mais difícil para essas empresas ganharem dinheiro no futuro. Um mercado difícil está prestes a se tornar ainda mais difícil.
Considere o estado da indústria apenas dezoito meses atrás; inúmeras editoras, desde a MCDM e Kobold Press até a Wizards of the Coast, estavam todas criando material para 5E; era fácil comprar produtos de vários editores porque, se você estava jogando 5E, podia usar o trabalho de todas essas empresas na sua mesa; isso facilitava que essas empresas compartilhassem clientes.
Os novos RPGs de mesa nascidos da crise da OGL estão prestes a tornar esse tipo de compartilhamento de clientes muito, muito mais difícil. A MCDM está publicando um RPG de mesa onde você rola 2D6 para acertar. A segunda edição remasterizada de Pathfinder não tem tendências e mudou os atributos. O Critical Role abandonou a 5E como uma barata morta e está testando seu novo jogo de fantasia próprio, Daggerheart, que usa 2D12, e um jogo de horror chamado Candela Obscura.
E, claro, há também o Godzilla em ascensão que é a 6ª edição de D&D, que cientistas dizem que atacará nossas costas na primavera de 2024. Até agora, não há indícios de uma OGL para o que quer que seja esse jogo.
O problema é que 5E não era apenas um jogo. Era uma comunidade massiva de jogadores. Inúmeras empresas podiam prosperar criando produtos para essa comunidade.
Esses novos jogos estão fragmentando essa comunidade. Em vez de inúmeras empresas trabalhando para melhorar seu jogo de 5E, agora estão pedindo que você se torne jogador da MCDM, ou da Darrington Press, ou da Paizo, ou do D&D 6E. Estamos entrando em uma era de divisão, facção e balcanização.
As empresas agora estão pedindo aos fãs que escolham lados. Isso também significa que será mais difícil para elas compartilharem clientes. O quão interessado estará um fã de Pathfinder em um produto da MCDM? Ou na 6ª edição? A história sugere que esse tipo de barreira diminui as vendas.
Isso tudo já aconteceu antes
Na década de 1990, a TSR, a primeira empresa a publicar Dungeons & Dragons, embarcou na publicação de cenários e mais cenários e mais cenários para o jogo. Em 1997, mais de uma dúzia de cenários eram vendidos pela empresa. Os fãs deixaram de ser fãs de D&D e, ao invés disso, tornaram-se fãs de um cenário específico, comprando produtos apenas para aquele cenário. Em 1997, a TSR estava à beira da falência, pois os lançamentos de cenários haviam despencado de centenas de milhares de cópias na década de 1980, para apenas 7.152 cópias vendidas do cenário Birthright em seu primeiro ano de lançamento. O D&D foi salvo de um destino terrível apenas pela Wizards of the Coast e seus bolsos recheados de dinheiro. Eles compraram a TSR no verão de 1997.
Alguém pode dizer que é injusto comparar os vários cenários dos anos 90 com os vários sistemas de hoje. Cenários e sistemas são diferentes, afinal. E eu concordo com esse argumento. Mudar de sistema é um PEDIDO AINDA MAIOR do que mudar de cenário, portanto essa mudança deve ter um IMPACTO MAIOR NAS VENDAS.
E tudo isso está acontecendo novamente. O público dos RPGs de mesa está sendo partido nas raízes, e isso prejudicará as vendas e o crescimento.
Observando especificamente a MCDM, este kit de financiamento atual é provavelmente a campanha mais bem-sucedida que a empresa terá. Toda campanha após esta terá dificuldades para obter o mesmo volume no números de vendas, à medida que as pessoas lentamente migram para a concorrência. Paizo dirá “dê uma olhada no nosso jogo de fantasia concorrente”. A WotC nos bombardeará com uma onda implacável de marketing tentando nos convencer das novidades e atratividade da 6ª edição do D&D. (E que ela seja nova e atraente! Mas tenho minhas dúvidas...) E os fãs, assim, irão embora.
Além disso, o que acontecerá com o canal do YouTube que é a base do sucesso da MCDM? Matt Colville é um mestre da comunicação e foi um grande evangelista do D&D na época áurea de seu canal. Ele é apaixonado, inteligente e inspirador. Se os Mestres de RPG pudessem entrar no vestiário e receber um discurso de incentivo de seu treinador no meio de um jogo de D&D, esse treinador certamente seria Matt Colville.
Quanto tempo Colville dedicará ao D&D agora que ele é essencialmente sua competição?
No ano passado, ele lançou menos de 20 vídeos em seu canal. Esses vídeos agora abrangem uma variedade de tópicos, desde críticas de TV e entrevistas com estudiosos de idiomas até algum conteúdo de D&D, e uma discussão sobre a criação de seu novo RPG. Volte cinco anos atrás e Colville estava lançando vídeo após vídeo de conselhos fantásticos sobre como mestrar D&D, geralmente com a 5E como padrão. Ele passava adiante alguns dos melhores conselhos sobre RPGs de mesa que eu já vi.
Mas parece que seu conteúdo está mudando fundamentalmente, e ele está pedindo que seu público o acompanhe para um novo lugar.
Vamos olhar para os esforços recentes da MCDM do ponto de vista da Wizards of the Coast. É tudo ruína, desastre e calamidade. O mestre comunicador e fã de D&D Matt Colville passou de convencer as pessoas a experimentar D&D, e explicar como melhorar seu jogo de D&D, para pedir a seus 439.000 inscritos que parem de jogar D&D e joguem seu jogo ao invés disso.
Sem mencionar que o Critical Role — um dos grandes motivos para o recente aumento da popularidade do D&D — também está parando de apoiar o D&D e pedindo para seus 2,1 milhões de assinantes no YouTube comecem a jogar um de seus dois novos jogos. Eu não vou mencionar isso, para não perturbar ainda mais o sono do pessoal do D&D na Wizards of the Coast... (E se 2,1 milhões de pessoas simplesmente não comprarem a 6ª edição?)
Em resumo, todos esses acontecimentos estão interferindo nos desenvolvimentos que criaram a era de ouro dos RPGs de mesa. A remoção do D&D do Critical Role provavelmente prejudica a todos os envolvidos. Durante anos, o argumento de venda do Critical Role era "Assista dubladores jogando D&D!" (Um conceito que até minha tia Sonja, de 80 anos, entende.) Agora, o argumento de venda é "Assista dubladores jogando Candela Obscura!"
Mas o que é Candela Obscura? (Se perguntada, minha tia Sonja talvez pensasse que Candela Obscura era um aroma de potpourri.) O reconhecimento da marca que levava as pessoas ao Critical Role se foi.
Simultaneamente, a fragmentação da comunidade de D&D 5E tornará mais difícil para novos designers entrarem na indústria e mais difícil para empresas estabelecidas atraírem novos clientes. O crescimento no campo dos RPGs de mesa desacelerará.
Como poderá ser o futuro
E se eu estiver certo, e é assim que a era de ouro dos RPGs de mesas morre, alguns acontecimentos surgirão naturalmente a partir desses eventos. Aqui estão minhas previsões — Profecias? — para que eu possa ser responsabilizado por minha imprudência ao escrever tudo isso. Posso estar errado, mas se eu estiver certo, as seguintes coisas parecem prováveis de acontecer:
A sexta edição não terá o mesmo sucesso que a 5ª edição. Mais demissões virão. A Wizards, que lutou para saber o que fazer com D&D quando era um sucesso (Não lançar um Conjunto Inicial com a temática de Honor Among Thieves? Sério?) ficará perplexa sobre o que fazer com ele quando for percebido como um fracasso.
Nenhuma campanha de financiamento coletivo da MCDM para RPGs terá mais sucesso do que esta campanha inicial para financiar seu RPG de mesa.
O jogo pós-OGL da Kobold Press, Tales of the Valiant, foi criticado por ser muito semelhante à 5E. Para a Kobold Press, vejo dois futuros. Talvez eles percam fãs lentamente, da mesma forma que a MCDM perderá. Mas se a 6ª edição de D&D for muito diferente e as pessoas realmente não quiserem seguir em frente a partir da 5E, a Kobold já se posicionou para ser a próxima Paizo, e Tales of the Valiant, para ser o próximo Pathfinder.
A frequência de Kickstarters de RPGs de mesa que arrecadam um milhão de dólares diminuirá.
A participação em grandes convenções de jogos se estabilizará.
Os RPGs de mesas se tornarão menos interessantes. Menos emocionantes. Menos criativos. E, apesar de todos os novos sistemas, também se tornarão menos diversos, à medida que se torna ainda mais difícil ganhar dinheiro em uma comunidade de RPGs de mesa fragmentada em facções.
E assim uma era de ouro chega ao fim.
A menos que algo verdadeiramente dramático e revolucionário atinja a indústria.
O que poderia mudar esse futuro sombrio? Suponho que um grupo de editoras se unindo em torno de um único sistema poderia mudar as coisas.
Ou algo verdadeiramente inconcebível, como dar à 6ª edição de D&D uma OGL, ou colocar as regras no Creative Commons.
E depois dos sacrifícios de sangue do mês passado no altar da lucratividade, quem ainda resta na Wizards com o poder e a experiência para defender algo assim?
Tem sido uma grande era para ser um gamer, uma era que tivemos a sorte de vivenciar.