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03 janeiro, 2025

Então você quer criar uma masmorra? - Texto de Gus L.

 Tradução do texto: " So You Want to Build a Dungeon?". Escrito originalmente por Gus L. em seu blog intitulado All Dead Generations em 29 de março de 2021. All All Dead Generations' Content are licensed under https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/

 Traduzido por Felipe Tuller.
 
Você quer criar uma aventura de masmorra para um jogo de RPG de estilo clássico e quer que ela seja boa. Como fazer?

O que exatamente uma "masmorra" dá a entender e o que ela é  enquanto uma ferramenta de jogo?

Uma masmorra é um tipo específico de aventura que possui uma forma própria e exige certos elementos para ser bem-sucedida. Mais do que isso, uma masmorra é uma "aventura baseada em locação"— uma aventura que envolve a exploração de um espaço fictício, sala por sala. Certamente esse não é o único tipo de aventura de RPG, mas é o principal para um estilo de jogo focado em exploração, navegação e resolução de problemas, que é ao mesmo tempo o mais antigo e também um estilo muito cativante ainda hoje. Uma masmorra deve ser um local fantástico, mas não precisa ser um labirinto subterrâneo ou um sistema de cavernas: edifícios, naufrágios, estações espaciais, castelos, jardins formais ou o cadáver de uma besta colossal podem ser excelentes masmorras.

O que é necessário para uma aventura de masmorra é criar um espaço fantástico delimitado, composto por “Salas”, interligadas numa ordem que os jogadores possam navegar livremente: retrocedendo, mudando de direção e decidindo rotas. Dentro dessas Salas, o designer coloca obstáculos e recompensas. Tradicionalmente, isso significa um conjunto de corredores e câmaras de pedra cheios de monstros, tesouros e armadilhas. Porém, nem a estética do espaço nem a natureza dos habitantes, dos objetos valiosos ou dos desafios, são elementos fixos de design, e reinterpretar o espaço da masmorra pode resultar em uma aventura inovadora e empolgante.

Provavelmente, quando você decidiu escrever uma aventura, já tinha uma história em mente, e isso é bom, mas como uma aventura baseada em locação gira em torno das decisões dos jogadores, essa história ficará em segundo plano. Dada a liberdade para planejar e explorar, os jogadores são tão inventivos e teimosos quanto o proverbial bando de gatos, e tentar forçá-los ou enganá-los para contar uma história específica é tão eficaz quanto comandar um circo de gatos. Em vez de uma história, considere suas ideias como um “Tema”, que irá informar a “Ecologia” e a “Disposição” ou o mapa que, juntos, definem a aventura de masmorra. Enfiar uma trama nela provavelmente falhará no momento em que os jogadores, alheios à trama, seguirão seus próprios interesses. Essa é a alegria e o fardo do estilo clássico de exploração de masmorras: a história precisa evoluir a partir das decisões dos jogadores.

A parte mais perigosa da história de um designer é o clímax ou desfecho, porque é muito difícil incluir algo do tipo sem que isso comprometa drasticamente o formato da aventura de masmorra. Beats narrativos fazem suposições sobre como os personagens dentro de uma história agirão, o que se torna muito difícil de manter quando as decisões desses personagens estão sendo feitas por alguém que não é o autor. As decisões dos jogadores dificilmente se alinharão a uma estrutura narrativa simples: incidente, ação crescente, clímax, ação decrescente e resolução. Os jogadores podem decidir evitar o confronto do clímax ao se aliarem ao antagonista, ou podem simplesmente desviar-se da ação crescente ao se distraírem, considerarem o risco muito alto ou as recompensas pouco interessantes. Em vez disso, o designer de masmorras se sai melhor ao construir apenas o espaço para que uma história se desenrole, confiando nos jogadores para determinar a narrativa dentro dessa história.

 

O ESPAÇO É O FATOR CENTRAL

A primeira questão do design de masmorras é o espaço. Antes de o designer abordar os temas e a história de uma localização fantástica, ele deve considerar as mecânicas de jogo dessa localização em si, pensando nela como um tabuleiro ou como uma arena para o jogo. Espaço é algo que demanda tempo para ser atravessado, e em um RPG clássico, o tempo incorpora riscos: encontros aleatórios, tochas se apagando, exaustão e a crescente distância da segurança da entrada. Por isso, uma masmorra requer um layout, uma forma de estruturar as Salas da masmorra que ofereça aos jogadores escolhas sobre como navegá-las, com uma dimensão e complexidade em que essas escolhas sejam significativas. Tradicionalmente, e de forma ainda mais eficaz, o layout é organizado e apresentado por meio de um mapa. Desenhar um mapa é relativamente simples, mas levanta a questão: que tipo de mapa?

Pensar sobre mapas é pensar sobre espaço e tempo, e não apenas o tempo ficcional. Considere o tempo que você e seus jogadores têm disponível para o jogo. Um grupo de exploradores em um RPG com regras relativamente leves atravessa cerca de três a cinco salas por hora de jogo, assumindo que há de 1 a 2 encontros ou outros obstáculos nessas salas e um nível razoável de detalhes para cutucar. Para uma sessão única de 2 a 4 horas, uma masmorra com 8 a 12 salas deve ser suficiente. Por mais que jogos de várias sessões possam utilizar masmorras maiores, essas limitações de tempo ainda são importantes porque ajudam a determinar os limites do que pode ser explorado em uma sessão, além de influenciar a colocação de entradas e saídas.

Essa escala básica é importante porque oferece ao designer expectativas e diretrizes quanto ao tamanho e à complexidade. Complexidade demais ou salas demais podem impedir que os jogadores façam progresso significativo na aventura ou compreendam o layout. Poucas salas ou baixa complexidade podem fazer com que a aventura ofereça poucas escolhas, reduzindo o jogo a uma série previsível de cenas e encontros. Após definir o escopo básico do layout, há muitos detalhes específicos a considerar, e a cartografia de RPG tem seu próprio conjunto complexo de argumentos, máximas e opiniões fortes. No entanto, algumas dicas básicas para criar mapas de masmorras utilizáveis incluem:

DICAS PARA MAPAS & LAYOUTS 

  • Evite mapas lineares. Ramificações, loops, verticalidade, portas secretas, salas com múltiplas entradas e saídas tornam o mapa da sua masmorra um quebra-cabeça que os jogadores podem resolver.
  • Considere o tamanho e a escala. Adicione salas vazias para criar espaço quando necessário. Em vez de uma única localização estendida, considere subníveis ou "nódulos" de 10 a 30 salas cada.
  • Coloque múltiplas entradas e saídas, especialmente se a masmorra for maior. Use portões trancados, alçapões, dutos e portas secretas para transformar a descoberta dessas saídas e suas relações com o layout da masmorra em uma recompensa.
  • A verticalidade é uma maneira tradicional de separar regiões ou "níveis", mas é mais difícil de usar em Salas individuais, já que  descrever espaços complexos pode ser algo complicado para o Mestre: salas com múltiplos níveis ou formatos estranhos devem ser usadas com moderação.
  • Simetria é algo arriscado. Embora possa ser útil para dar dicas sobre áreas secretas e ajudar os jogadores a entenderem o mapa, ela também pode facilmente gerar mapas sem graça e lineares. Antes de usar simetria, considere as razões ficcionais para tal, como isso afetará o jogo e o fato de que, na arquitetura real, a maioria das simetrias são apenas parciais.
  • Mais importante: O mapa da sua masmorra deve ter uma lógica interna. A disposição das Salas deve fazer sentido tanto ficcional quanto espacialmente. Um salão do trono, por exemplo, deve ser grande e acessível por meio de uma antecâmara opulenta e uma sala de guardas, não por uma cozinha ou depósito de lixo.

SEM HISTÓRIA — APENAS TEMA! … REALMENTE SEM HISTÓRIA?

Não exatamente. Toda localização tem uma história, um passado que informa a situação que os jogadores encontram ao explorar. No entanto, não há uma história predefinida sobre como a aventura nessa localização irá se desenrolar. Alguns eventos ou finais podem ser mais prováveis do que outros, mas o Mestre, e especialmente o designer, não podem depender dessas conclusões prováveis porque a aventura é dos jogadores, e os jogadores são imprevisíveis. Em vez disso, o designer pode definir a situação, os objetivos e as personalidades dos outros atores (NPCs ou monstros da aventura — essa distinção não é relevante aqui) e descrever o pano de fundo.

Situações e História

Criar uma situação inicial envolvente é tão importante quanto desenhar um bom mapa. Sem um conhecimento básico, sem uma energia narrativa aprumada — pronta para ser liberada pela interação dos jogadores— será difícil visualizar e incorporar essa situação. Uma boa aventura baseada em localização pode começar em equilíbrio, com uma situação mais ou menos equilibrada, mas pronta para virar um desastre ou ação com a interferência dos jogadores. Situações em desenvolvimento também são possíveis, mas muito mais complicadas, pois precisam estar integradas à campanha como um todo, normalmente com uma mecânica de contagem regressiva, relógio ou índice — algo muito além do escopo do design de uma única localização.

A história da localização e as histórias de seus habitantes definem a situação inicial, o layout espacial e influenciam o desfecho da aventura. No entanto, essas informações, por si só, não são especialmente úteis para jogadores ou para o Mestre. A maneira como o passado impacta o presente que os personagens estão explorando certamente importa, mas os detalhes intrincados da história de uma localização são em grande parte desnecessários para conduzir uma aventura. De certa maneira, a história de fundo é algo inevitável quando você está criando a locação na sua cabeça, mas isso não é algo que precisa ser transmitido diretamente ao leitor. A história de fundo muitas vezes atrapalha a usabilidade, tanto porque ocupa um espaço que poderia ser melhor usado para descrever detalhes mais acessíveis, quanto por complicar o layout e por adicionar informações que podem dificultar a adaptação da aventura ao jogo do Mestre. No entanto, o minimalismo extremo, eliminando toda a história ou o contexto, é uma decisão de design tão ruim quanto o excesso de história.

A história de fundo ajuda o designer a criar o local, definindo o que são os espaços, como são usados no presente e o porquê de terem sido criados. Ela informa a atitude, os relacionamentos e a natureza dos habitantes do local (a “Ecologia”) e pode oferecer pistas aos jogadores sobre enigmas e obstáculos no local. Mais importante ainda, ela define a descrição e a estética do local, o seu tema. O tema evolui naturalmente a partir dos esforços do designer para conceber o local, sua história e a situação atual,  preenchendo seus detalhes. No entanto, você não deve desperdiçar isso em uma introdução que os jogadores não lerão e que o mestre do jogo provavelmente irá apenas folhear e esquecer durante o jogo.

Em vez disso, a história de fundo, a história como um todo e o Tema estético oferecem algo que o designer pode incorporar na descrição e usar para diferenciar sua aventura de outras. Mapas, estatísticas de monstros e outros aspectos mecânicos do design de locação não variam muito entre aventuras semelhantes, mas o tema pode variar. Saturar um local com uma estética consistente e um tema repetido melhora a aventura ao torná-la mais fácil de visualizar, mais memorável e mais rica em detalhes.

Para o Mestre, o tema facilita a expansão das descrições necessariamente limitadas das salas, fixando uma estética geral, uma situação passada e presente na mente, que o Mestre pode usar para responder a perguntas inesperadas. Para os jogadores, um tema oferece consistência, permitindo melhor visualização do espaço e, assim, maior capacidade de investigar ou pensar em soluções inesperadas. Um Mestre que opera com um Tema bem definido terá mais facilidade em descrever detalhes e expandir descrições, dando aos jogadores mais conhecimento e ferramentas para agir dentro da ficção. Os jogadores também desenvolverão expectativas e conhecimento sobre um Tema, tornando-os mais capazes de identificar o que está fora do lugar e reconhecer pistas.

OS USOS DA HISTÓRIA

  • Rumores e ganchos quase sempre incorporam história e contexto, representando pistas sobre a localização de tesouros, a natureza de obstáculos ou os objetivos da oposição dentro de uma locação.
  • Crie evidências e histórias de fundo nas descrições do local, em vez de repassá-las ao Mestre, pois elas são úteis apenas na medida em que os jogadores podem descobri-las.
  • A história define a aparência de um local: layout, material de construção, estado de conservação, existência ou tipo de portas secretas e armadilhas — além disso, oferece pistas aos jogadores sobre essas características.
  • Murais, esculturas, grafites e detritos são definidos pela história e pelo contexto, incentivando a investigação dos jogadores enquanto criam a sensação de um espaço vivo.
  • Histórias e contextos ajudam a tornar os objetivos e as atitudes dos habitantes do local mais plausíveis e transparentes.

ECOLOGIA

Com o Layout e o Tema definidos, o que resta é focar nos habitantes da sua masmorra e nas formas como eles irão interagir com o grupo, entre si e com o próprio espaço. Essa ecologia da masmorra, conforme mencionada no Dungeon Masters Guide de 1979, é algo fantástico e precisa ser compreensível, mas não funcional de modo científico. Cadeias alimentares e territórios de criaturas são úteis, mas o objetivo não é simular um mundo fictício com fidelidade rigorosa. O objetivo é criar uma teia de conexões plausíveis e reconhecíveis entre as criaturas e o espaço da masmorra que os jogadores possam observar, entender e explorar. A parte mais óbvia e útil disso são os relacionamentos entre os habitantes do local, suas “Facções”.

FACÇÕES

Além de continuar a coerência estética proporcionada por um bom tema, a ecologia inclui os relacionamentos de predador e presa, ou tirano e subordinado entre os habitantes. Para que essas histórias e relacionamentos importem, eles devem ser algo que os jogadores possam ver e tirar proveito. Dentro das relações entre facções, há espaço, e até mesmo uma necessidade, para a história. Mas, novamente, os detalhes do passado são menos importantes do que um presente com o qual os aventureiros possam interagir. Detalhes como as razões para animosidades entre facções são úteis em alguns momentos, especialmente porque oferecem informações que os jogadores podem capitalizar quando inevitavelmente se envolvem na política e nos conflitos das facções. No entanto, o mais importante são as relações de poder e atitudes entre as facções locais, a natureza de seus líderes e o que eles exigirão para se aliar aos aventureiros.

Embora seja comum pensar em facções como outros grupos de criaturas inteligentes e organizadas dentro de um local, isso não precisa ser o caso. Uma facção pode ser uma única criatura, seja um predador poderoso ou até mesmo uma criatura mais fraca cuja própria falta de poder a torna quase um recurso natural para os aventureiros. Da mesma forma, facções não precisam ser inteligentes. Bandos de animais ou uma única criatura perigosa podem definir os relacionamentos entre os habitantes de um local, e seus objetivos e reações aos aventureiros são úteis de se considerar. As facções também não precisam ser nativas do local. Grupos de aventureiro rivais ou outros intrusos podem competir pelos mesmos objetivos dos jogadores dentro de uma locação, oferecendo inimigos, aliados ou simplesmente complicações. Para projetar a ecologia de um local, devemos ter em mente qualquer habitante ou intruso provável cuja existência e planos possam perturbar a situação atual da locação e oferecer dicas sobre como eles podem interagir com os personagens dos jogadores, mesmo que de forma simples.

FAZENDO RESKIN*1

Uma dificuldade em criar uma Ecologia de masmorra útil que ainda siga um Tema específico pode ter a ver com a natureza dos habitantes. Apesar de existirem centenas de manuais de monstros e bestiários, às vezes é difícil encontrar uma criatura pré-criada que: se ajuste ao nível apropriado dos aventureiros, pareça adequada ao espaço específico e tenha as habilidades e objetivos que se alinhem à estrutura das facções e à estética. Embora inventar novas criaturas seja uma das grandes alegrias do design de aventuras, o processo em si pode ser intimidador, especialmente em sistemas mais complexos. Por isso, muitas vezes é mais fácil usar as estatísticas de uma criatura já existente e bem conhecida, descrevendo-a de forma diferente. Um goblin pode ter as mesmas estatísticas que um aldeão enfurecido ou um ser fada travessa e infamiliar. Quando essa reskin não parece suficiente, pequenos ajustes ou trocas de habilidades especiais geralmente podem preencher as discrepâncias. Uma besta porco pode ser baseada nas estatísticas de um leão da montanha com mais pontos de vida (o salto do felino se transformando em uma carga de javali) ou nas estatísticas de um urso sem os ataques de garras e com a mecânica de abraço substituída por uma carga.

Fazer reskin não se limita a criaturas. Isso também pode ser aplicado a outros obstáculos, armadilhas, tesouros, efeitos mágicos e itens mágicos. Geralmente, qualquer elemento mecânico pode ser descrito para se ajustar melhor ao Tema e à Ecologia da sua aventura. Isso não apenas facilita a criação de estatísticas para sua aventura, mas também estimula uma maior interação dos jogadores, pois as ameaças enfrentadas pelos personagens não podem ser facilmente definidas com o conhecimento do sistema, mas dependem da observação dos jogadores para serem avaliadas.

CONSTRUINDO ECOLOGIA E FACÇÕES

  • Considere os locais que são fontes de alimento, água e descarte de resíduos das facções, não apenas porque isso cria coerência, mas também porque define territórios das facções e oferece formas de ameaçar ou destruir a facção.
  • Nem tudo precisa fazer sentido ecológico de maneira literal, como ter fontes de alimento e um covil, mas essas coisas todas devem ter um lugar dentro da "ecologia" total do local, dando a entender relacionamentos com outros habitantes.
  • Defina a liderança, os objetivos e as preocupações de cada facção, mesmo que sejam simplesmente encontrar presas. Saber os medos e o "preço" de uma criatura torna muito mais fácil determinar como os personagens podem enfurecê-la, conquistá-la, enganá-la ou distraí-la.
  • Um líder de facção ou outro NPC não precisa de muitos detalhes para ganhar vida: uma característica física memorável, alguns adjetivos e uma frase descrevendo seu "preço" e seus "medos" geralmente são suficientes.
  • Para facções maiores e mais importantes, crie uma "ordem de batalha" listando contingentes, recursos e algumas táticas que usariam em resposta a ameaças ou estratégias prováveis.
  • Não se sinta limitado pelas descrições predefinidas de monstros/feitiços/itens, porque a coerência interna da sua aventura é mais valiosa do que a fidelidade a um manual. Estatísticas preexistentes fornecem diretrizes e modelos, mas mesmo em sistemas complexos, elas podem ser reconfiguradas e usadas de maneira diferente com facilidade.
  • Encontros aleatórios e tabelas de encontros aleatórios são fundamentais no design de masmorras. Eles não apenas criam pressão de tempo, mas também introduzem suas facções e oferecem oportunidades para encontrar seus representantes fora de seus covis.

COERÊNCIA

O objetivo final da Ecologia, do Tema e do Layout é a Coerência. Para o Mestre que lê a aventura e para os jogadores que a vivenciam, ela precisa parecer conectada e fazer sentido como um todo. Criar uma aventura coerente é um teste de quão bem os aspectos de Layout, Tema e Ecologia se misturam em suas bordas e se sustentam mutuamente, pois, apesar da forma como essas dicas estão estruturada aqui neste texto, esses elementos se sobrepõem e se combinam naturalmente.

A Coerência é especialmente importante porque o espaço é fictício e fantástico, o que significa que visualizá-lo e entendê-lo exige mais imaginação do que visualizar um espaço fictício do mundo real. Design e descrição precisam trabalhar juntos para construir algum senso de ordem plausível, com elementos fantásticos que se afastam do real, mas que ainda contêm lógica interna. A Coerência é difícil de quantificar, pois ela se acumula a partir de outros elementos de design, mas o objetivo é criar uma aventura que seja identificável como "a caverna do dragão" em vez de "uma caverna com um dragão dentro".

Para o Mestre, a Coerência e consistência permitem maior facilidade em adicionar detalhes e fornecem um todo compreensível, uma narrativa do local em si que é mais fácil de lembrar do que elementos desconexos. Para os jogadores, a coerência permite maior interatividade com o cenário, porque há uma ordem interna no local que eles podem decifrar.

INDEXAÇÃO*2

Finalmente, os preparativos necessários estão completos, o mise en place da aventura está pronto — um mapa foi desenhado, facções preparadas, rumores escritos, tema e situação inicial prontos. Como designer, você está preparado para adicionar o conteúdo principal da aventura — os índices que descrevem o espaço fictício e que o Mestre usará para conduzi-la. Há muita arte envolvida na indexação, uma combinação peculiar de escrita técnica e poética. Um bom índice de masmorra deve transmitir informações descritivas de maneira clara e eficiente, além de inspirar com linguagem evocativa ou poética. Ela não apenas precisa ser clara para o leitor, mas também oferecer uma linguagem suficientemente sucinta e inspiradora para que o leitor possa transmitir a descrição aos jogadores, que por sua vez irão interrogar a descrição.

  • Cuidado com o formalismo. Embora uma estrutura repetida para cada chave possa ajudar os Mestres a conduzir uma aventura, uma estrutura que contenha muitos elementos ou elementos subutilizados pode acabar distraindo. Um índice ainda é escrita evocativa e criativa — não uma equação matemática.
  • Não use caixas de texto de "leitura em voz alta". Elas tiram atenção do conteúdo da sala e interrompem o fluxo natural da fala do Mestre.
  • Comece sua descrição com os aspectos mais importantes do espaço: perigos para os PJs, seguidos pelos aspectos mais óbvios da sala.
  • Seja o mais conciso possível. Digressões e detalhes supérfluos podem tornar as descrições inutilizáveis. Você só consegue utilizar algumas frases para cada ideia antes que ela se torne confusa, e apenas alguns parágrafos por sala antes que os primeiros sejam esquecidos.
  • Apesar da necessidade compartilhada de concisão, a indexação de salas não é escrita técnica, como código de programação, especificações arquitetônicas ou uma fórmula matemática. Você não conseguirá incluir todos os detalhes, então os detalhes que incluir devem ser evocativos e inspirar o Mestre a preencher o que está faltando.
  • Descreva o que está na sala, não o que ela costumava ser. Vestígios visíveis do passado podem fazer parte da descrição, mas devem ser minimizados, a menos que sejam relevantes para os obstáculos atuais da locação.
  • Descreva um espaço, não os personagens explorando-o. A menos que alguma compulsão sobrenatural poderosa esteja em ação, os jogadores decidirão como seus personagens se sentem em relação ao que estão vendo, então evite atribuir emoções e muito menos ações aos personagens. Não comece com “Quando vocês entram pela porta”.
  • Descreva um espaço, não uma cena. Embora os habitantes devam estar envolvidos em atividades, isso faz parte da descrição das criaturas, não do local. Um local não deve ser estático, então o designer não pode saber em que circunstâncias em que os personagens encontrarão a sala.
  • Inclua sentidos além da visão ao fornecer descrições: condições de iluminação, temperatura, sons e odores são descrições poderosas e pistas úteis e de fácil entendimento.
  • Torne suas salas interativas. Quanto mais os jogadores interagirem com a aventura, mais estarão pensando sobre ela e visualizando-a. Mesmo elementos de “decoração de masmorra” que não sejam tesouros ou obstáculos fornecem contexto temático, tornam futuros tesouros ou ameaças ocultas mais eficazes e encorajam os jogadores a gastarem tempo explorando.
  • Cuidado com o minimalismo. Brevidade é essencial, mas a descrição da sala é a melhor oportunidade do designer para compartilhar o espaço imaginado com o Mestre, que o traduzirá para os jogadores. Oferecer detalhes poéticos, concretos e palavras específicas que deixam uma forte impressão é a melhor forma de fazer isso.
  • Use um tom e um estilo de linguagem que sejam consistentes. Grandiloquência “Alta Gygaxiana” ou familiaridade humorística podem funcionar, mas alternar entre eles com frequência também altera o tom da aventura e confunde o leitor.

Para uma análise mais aprofundada sobre a indexação de salas, esta postagem sobre as descrições na seção de masmorras de Descida ao Avernus de 2019 pode ser útil.

 

*1 Dado o uso corrente do termo "skin" no vocabulário dos jogos, optamos por manter a palavra "reskin" no original. O termo "skin" em inglês significa literalmente "pele" ou "casca". Em jogos como League of Legends, Fortnite, entre outros, as "skins" são itens cosméticos que servem para modificar a aparência dos personagens de forma a propiciar que o jogador customize seu personagem e se expresse sua através dessas modificações. O termo "Reskin", por sua vez, trata da mudança da aparência e/ou de um aspecto mais superficial e externo de um objeto sem necessariamente modificar sua essência ou, no caso dos jogos, sua mecânica.

*2 "Keying" no original. Trata-se aqui do termo utilizado na criação de masmorras, popularizado nos módulos clássicos do D&D, que descreve o processo no qual as áreas do mapa são numeradas e  descrições equivalentes a cada espaço da masmorra são descritas em outra área do documento seguindo a numeração estabelecida. Em uma tradução literal livre, "keying" poderia ser "chaveamento" mas aqui demos preferência ao termo "indexação" por dar a entender mais diretamente que se trata de um processo de organizar e listar as informações da masmorra.

 

09 novembro, 2024

Como superar sua alergia a hiperdiegese - Texto de Nova

Tradução do texto: "How to overcome your hyperdiegesis allergy". Escrito originalmente por Nova (ela/dela) em seu blog intitulado Playful Void em 01 de novembro de 2024.
 Traduzido por Felipe Tuller.

"hiperdiegese" é uma palavra usada para descrever elementos de uma obra criativa que não são explicados, mas que dão a entender um cenário maior. Exemplos bem conhecidos de hiperdiegese incluem:

  • “Navios de ataque em chamas ao longo do ombro de Orion. Eu vi raios-C brilharem na escuridão perto do Portão de Tannhäuser.” 

Blade Runner

  • “Você lutou nas Guerras Clônicas?” “Sim. Eu já fui um cavaleiro Jedi, assim como seu pai.” 

Star Wars

  • “Quando você abre seu cérebro para o mundo do maelstrom psíquico, role +weird.” 

Apocalypse World

Esses exemplos, obviamente, foram soterrados por “retcon” numa infinidade de continuações. O termo "hiperdiegese" foi cunhado por Matt Hill, embora eu o tenha encontrado aqui nesse link e selecionado algumas citações, já que você consegue lê-las por conta própria, e também porque isso aqui não é uma análise crítica – é uma reflexão minha sobre essa ideia.

“…a criação de um vasto e detalhado espaço narrativo, do qual apenas uma fração é vista ou encontrada diretamente no texto…” 

Matt Hill, Fan Cultures

“…o mundo é construído ao longo da série acumulando e reiterando detalhes. Menções a pessoas, lugares e eventos sugerem um mundo completo com uma história vasta…” 

Matt Hill, Defining Cult TV

Vou falar sobre isso no contexto dos “jogos de elfo faça-você-mesmo”, especialmente módulos e cenários. A hiperdiegese em filmes pode ter a intenção de semear conexões para futuros episódios (como no início do Universo Cinematográfico Marvel ou em várias séries de Star Trek), mas também pode ser comentários isolados que buscam dar uma sensação de vastidão. No RPG, é intencionalmente um espaço que a mesa de jogo preenche.

Então: pessoalmente, eu adoro hiperdiegese nos meus módulos e cenários. Mas percebo que entre muitos árbitros há uma certa resistência a isso. Vejo pessoas reclamando repetidamente: “Não está explicado quem é tal personagem” ou “se esse nome não se refere a alguém no módulo, não deveria estar aqui”. Obviamente, eu discordo dessa preferência, mas é uma preferência e é válida. M. John Harrison foi menos generoso — ele chamou isso de “peso do excesso de nerdismo,” mas acredito que, em RPGs de mesa, esse “peso do excesso” pode ser justificado. Vamos explorar (perguntei a alguns amigos que escrevem jogos e módulos) de onde vem esse impulso e se devemos contorná-lo ou abraçá-lo.

Eu encontrei problemas com o tema dos detalhes hiperdiegéticos na excelente série de zines Through Ultan’s Door de Ben L. e descrevi-os assim:

“Eu temo a falta de clareza — ‘por que o salão de banho está ensanguentado?’ — para mim resultaria em uma espécie de paralisia de improvisação, na qual a falta de informações, em um mundo muito maior e crescente, me faria hesitar em criar minhas próprias respostas, com medo de contradizer algo que não lembro ou que ainda não foi escrito.” 

Eu, aqui

Então, eu sou menos receptiva a informações hiperdiegéticas porque se eu inventar algo errado poderia arruinar algo que já existe no mundo, que pode aparecer em uma futura edição ou quebrar a narrativa. Zedeck Siew sugeriu que isso significa colocar em risco a criação de “interrupções no tecido do mundo em vez de evoluções (porque o autor não está presente na mesa)”. Há uma solução para isso que pode ser realizada num nível editorial: sinalizando as informações hiperdiegéticas. Zedeck sugeriu referenciar páginas no documento por omissão, em vez do método atrapalhado de dizer “isso é hiperdiegético”.

As informações diegéticas podem ser enganosas. Chris McDowall sugeriu que a “nebulosidade das informações” em RPGs de mesa — o fato do árbitro desempenhar o papel de todos os sentidos dos jogadores — pode transformar informações hiperdiegéticas em ruído confuso, dificultando a distinção entre o que é informação relevante e o que não é. Por exemplo, o uso de nomes de lugares ou pessoas que não são imediatamente relevantes para o enredo pode distrair os jogadores do módulo ou aventura em questão. Talvez esta observação casual de Crown of Salt possa fazer com que os jogadores desviem de sua missão pela segunda espada. Por exemplo: “Uma cópia idêntica da Lâmina do Rei Esquecido”.

Uma terceira preocupação é que um árbitro com pouca confiança em improvisação, ou que adere rigidamente ao método Blorb de mestrar aventuras, não vai curtir o fato de uma informação não estar disponível em um almanaque, no apêndice ou seja lá onde for. Uma vez eu mestrei uma campanha de Dragonlance, um mundo que conheço bem, usando um site de wiki incrivelmente detalhado. Certamente há um prazer em participar desse tipo de jogo no qual sempre há uma resposta certa. No entanto, eu acho que temer não saber a resposta certa vai contra os pontos fortes dos “jogos de elfo faça-você-mesmo”. Esse reconhecimento da improvisação como uma força especial do hobby remonta aos primórdios:

“...informação total e absolutamente perfeita não será necessária, mas um esquema geral é necessário. A partir disso, você pode dar dicas vagas e respostas ambíguas... a interação do árbitro e dos jogadores transforma o esqueleto básico em algo muito maior [...] se aventurar dá um sopro de vida a um mundo de faz de conta...” 

Gary Gygax,Guia do Mestre AD&D 1e

Eu esperava tirar alguns princípios desses medos, para melhor escolher onde colocar informações hiperdiegéticas, obter o melhor efeito e minimizar reações alérgicas, mas percebo agora que minhas ideias iniciais sobre esses princípios estavam erradas. Acho que nesse caso nós temos que lutar contra nossos instintos. Isso se tornou uma postagem sobre como mestrar e jogar, em vez de como escrever. Surpresa!

Apoie sua improvisação. Ninguém é bom em improvisação no vazio. Você precisa abastecer sua despensa: consulte produtos que já possui. Leia coisas de outras pessoas. Blogs. Livros. Tenha uma pilha de módulos não usados. Leia-os e lembre-se deles. Monte sua coleção de geradores e documentos de apoio. Há sempre algo que já foi escrito sobre todos os assuntos. Nos dias de hoje, mais de um módulo é lançado por semana, então você geralmente não precisa criar algo novo se acompanhar o hobby de perto. Roube na cara dura. Assim, você terá algo disponível quando for forçado a improvisar: não passa de um roubo glorificado, então encha seus bolsos de ouro. E fazer isso é fácil porque…

Jogos de sandbox são sobre desvios. Se você se desviar do planejado, abrace isso. Vá encontrar a segunda espada. Faça dela o tesouro da masmorra bônus. Adicione rumores adicionais. Aventuras sob medida guiadas pelos personagens fazem parte da dinâmica e natureza colaborativa do hobby. Se você dá apoio à sua improvisação, desviar-se do caminho original torna-se algo bom e não ruim.

Teorize ingenuamente. Parte da resistência à hiperdiegese vem do mundo cada vez mais interconectado em que vivemos; Amanda P aponta que, na maioria das vezes, um aventureiro em um mundo de fantasia vive em um mundo cheio de coisas que ele não conhece nem entende.

"...eles se encontraram por acaso em uma estalagem ou taverna e decidiram partir juntos em busca de fortuna nesses ambientes perigosos e, além do conhecimento comum da área, não sabem de nada sobre o mundo..."  

Gary Gygax,Guia do Mestre AD&D 1e

Como jogadores, devemos viver nessa ingenuidade. Costumamos querer criar especialistas — “Eu saberia disso” é um refrão comum. Em de perguntar ao árbitro, apoie-se em “Não faço ideia do que isso significa; vamos descobrir juntos”. O árbitro pode e deve corrigir os equívocos no entendimento da informação; entretanto essa ingenuidade contribui para a teorização. Aventureiros devem abraçar sua ingenuidade e explorar ainda mais fundo mesmo assim, construindo suas teorias. Encoraje seus jogadores a fazerem o mesmo: o árbitro não precisa improvisar uma resposta o tempo todo, os jogadores podem teorizar sobre ela; Pergunte a eles: “Vocês não sabem. O que acham que é?”. Isso resolve o problema anterior sobre o medo de se contradizer, pois você está investigando a realidade, e não impondo-a.

Aceite o retcon. Quando interromper a realidade acidentalmente, não hesite em corrigir. Informações hiperdiegéticas devem ser usadas para criar um mundo maior, o que significa que você pode errar. Nós quase sempre jogamos em um mundo incomparável ao nosso: uma grande mudança na nossa história ou em nossa geografia pode ser facilmente ser explicada por magia poderosa ou tecnologia alienígena. Mas mesmo numa campanha sem essas possibilidades capazes de desestabilizar o mundo e a temporalidade, você pode se dar conta de que a sua realidade se resume a lavagem cerebral ou propaganda – coisas que acontecem na vida real. Se perceber que cometeu um erro, use aquilo como um evento. Uma crise sobre universos infinitos, talvez. Abrace isso como parte da natureza dinâmica e colaborativa do hobby.

[Estou me dando conta de que não tenho uma boa palavra para essa colaboração estranha e desajustada que mora no coração dos “jogos de elfos faça você mesmo”. Tema para uma futura postagem, pelo visto.]

Bem, é isso, eu acho. O hobby ganha mais quando usamos informações hiperdiegéticas. Eu acho que precisamos aprender a abraçá-las, tanto os árbitros quanto os jogadores, e nós podemos fazer isso ajustando nossas formas de colaboração.

Idle Cartulary

04 outubro, 2024

Lore bom/Lore ruim - Texto de Ben Laurence

 Tradução do texto: "Goog Lore/Bad Lore". Escrito originalmente por Ben Laurence em sua newsletter intitulada Missives from Beyond the Veil of Sleep em 10 de setembro de 2024.

Traduzido por Felipe Tuller. 

Para nossos propósitos, digamos que "lore" é o "contexto do cenário": informações sobre o cenário de uma campanha. O paradigma talvez seja a história do cenário, que é literalmente um lore que pode ser aprendido no jogo com sábios ou livros de história. Mas eu também consideraria sua metafísica, teologia, religião organizada, a natureza da magia e coisas do tipo. E, falando nisso, podemos adicionar fatos mais enfadonhos sobre línguas, as formas predominantes de governo, economia, os diferentes grupos sociais, etc.

 O lore tem uma relação próxima com a construção do mundo. Tolkien estava muito, muito interessado em certos tipos de lore, como a linguagem, mitologia e a história da Terra-média, apesar de que ele não se importava muito com outros tipos de lore, como por exemplo lore sobre demografia e economia. Como esta excelente postagem do Welcome to the Deathtrap deixa claro, a construção de mundo e os jogos de RPG de mesa são duas coisas diferentes. Uma pessoa pode mestrar jogos de RPG de mesa sem fazer muita construção de mundo, mesmo em um cenário criado pelo próprio mestre, já outra pessoa pode construir mundos sem jogar RPGs de mesa, como Tolkien e tantos outros autores de fantasia e ficção científica deixam claro. Mas estamos interessados aqui no que acontece quando o impulso de construção de mundo se une aos jogos de RPG de mesa. O lore e sua relação problemática com o jogo é a nossa porta de entrada.

O problema do "Lore" ruim

O lore ruim é irrelevante para o jogo; e por essa razão é entediante; e por essa razão é difícil de lembrar; e por essa razão não aprofunda a sensação de habitar um mundo compartilhado.

Quando o lore é mal feito, apresenta um problema tanto para os jogadores quanto para os mestres. Os jogadores estão preocupados com as tarefas concretas diante deles. Em jogos OSR, é o tipo de coisa que envolve aventuras e exploração sandbox, pechinchar com facções, planejar golpes, andar pelos locais escuros da terra, superar rivais e coisas do tipo. O problema para os jogadores é que, quando o lore é feito da maneira errada, tem pouco a ver com o que eles realmente estão tentando fazer no jogo. Quem se importa com história antiga ou metafísica obscura se o que estamos tentando fazer é explorar e viver aventuras? Em outras palavras, uma das principais razões pelas quais o lore é entediante é porque ele é irrelevante para a maioria das atividades dos jogadores.

Embora isso definitivamente não seja algo preto no branco, tendo alguns jogadores que são verdadeiros ratos de lore que absorvem tudo, não importa o quão irrelevante seja, acho que, em geral, os jogadores também têm dificuldade em se importar ou lembrar de fatos que têm pouco a ver com o que estão focados no jogo. Eles se lembrarão de um local incrível, ou de um NPC amado ou odiado, ou de alguma reviravolta notável que emergiu durante o jogo. Mas eles provavelmente terão dificuldade em lembrar de algum lore que ouviram 15 sessões atrás em um discurso ou no resumo de algum livro que o seu personagem leu. Se o Mestre esperava dar vida ao cenário e infundi-lo com profundidade usando lore, ou fazer os jogadores realmente se envolverem com um cenário ricamente imaginado, o lore ruim vai causar decepção.

Em relação ao Mestre, o problema com o lore ruim é o outro lado da mesma moeda. Mestres gastam tempo criando lore irrelevante de maneiras que tornam a preparação uma sobrecarga desnecessariamente pesada. Como posso mestrar uma cidade sem saber como é a comida de rua? Ou quais tipos de artesãos estão operando na cidade? Como posso rodar uma campanha sem construir um modelo econômico? Acho que, para alguns Mestres, isso torna a preparação uma tarefa impossível. Isso também desvia sua atenção de aspectos jogáveis para outros tópicos irrelevantes.

Mas eu gostaria de inverter o problema e pensar não sobre a criação de lore pelos Mestres, mas sobre a apresentação de informações do lore em materiais já publicados. Para alguns Mestres que estão lendo um material de um cenário publicado, a apresentação do lore em blocos de texto contendo longas histórias, descrições enciclopédicas aparentemente irrelevantes sobre economia, ou panteões, ou fatos banais sobre culinária, e assim por diante, faz eles perderem o foco. É também um dever de casa difícil de dominar. Novamente, há nuance nisso, com certeza. Há Mestres que adoram absorver o lore de RPGs de mesa da mesma forma que absorvem obsessivamente detalhes sobre uma propriedade intelectual amada. Mas, para muitos, esse é um problema real.

Essas não são as únicas frustrações com lore. Há críticas mais profundas sobre a criação de mundos como a adoção de uma perspectiva totalizante e unificada do mundo, o que pode ser uma abordagem sufocante para o material imaginativo, com uma história tensa. Aprendi muito sobre isso conversando ao longo dos anos com Ava Islam e Zedeck Siew. Em seus materiais, Zedeck tentou se afastar desse ponto de vista único e onisciente de que o lore muitas vezes pressupõe, adotando diferentes pontos de vista e conjuntos de pressupostos para as diferentes ilhas no projeto A Thousand Thousand Islands antes dele se desmanchar. Você pode ouvir sobre suas ideias em dois podcasts aqui e aqui. (Para ouvir Ava falar sobre questões relacionadas no contexto de seu RPG Errant, você pode escutar sua entrevista no podcast The Lost Bay aqui.)

Eu respeito tremendamente a abordagem de Zedeck — é um experimento fascinante. Mas, pelo menos por enquanto, eu não estou tão interessado em complicar e contextualizar a apresentação do lore. Talvez eu possa explorar formas interessantes de fazer isso um dia. Mas antes de complicar e contextualizar, precisamos estabelecer os fundamentos. Precisamos responder à questão anterior: em primeiro lugar, o que é um bom lore, e como ele pode ser apresentado para jogadores e mestres?

O Princípio único de todo bom lore

Bom lore é inteligência acionável.

A chave para criar um bom lore é que ele ajuda os jogadores a fazerem o que eles querem fazer. Em outras palavras, pare de pensar em lore como páginas de enciclopédias ou pano de fundo oculto que de alguma forma dá profundidade ao cenário. Um bom lore é informação que se conecta diretamente ao jogo. Se o lore estiver ligado diretamente à exploração de um local de aventura ou à interação com uma facção, então aprender sobre ele oferece novos recursos para agir. Às vezes, a história será relevante para a exploração e para a ação, outras vezes será a estrutura social, a economia, a metafísica ou a verdadeira natureza da magia ou da religião organizada.

Por exemplo, se alguém está tentando descobrir como funciona um artefato mágico terrivelmente poderoso e complexo, pode ser útil aprender que ele foi construído por um clérigo fervoroso em imitação dos instrumentos musicais tocados por anjos na sala do trono celestial. Talvez a chave para desbloquear seu poder seja encontrar uma partitura angelical — ou talvez a resposta esteja no lore sobre os anjos e a acústica da sala do trono. Ou, de novo, se houver uma dinâmica social complexa, como uma longa guerra entre dois grupos que já se estende por algumas gerações, saber algo sobre o conflito original, e até mesmo um pouco sobre sua história, pode ser muito útil ao interagir com as facções em guerra.

Se você tornar o lore relevante para o jogo, os jogadores ficarão motivados a descobri-lo. Eles também lembrarão dele, porque será apresentado no contexto das coisas em foco no jogo. Quando eles descobrirem esse tipo de lore, eles terão a sensação de que estão progredindo. Por essa razão, aprender o lore se torna divertido. Em geral, quando os jogadores descobrem lore, deve dar a sensação de que informações táticas estão surgindo e permitindo que eles alcancem seus objetivos. Ou, ainda melhor, que novas possibilidades de aventura estão se abrindo diante deles.

Como criar e usar um bom lore

Desenvolva o lore junto de elementos de aventura.

Mas como você pode preparar o jogo de forma a criar um bom lore, em vez de um lore ruim? Quando você quiser explorar algum tipo de lore do seu mundo precioso, delicado e especial, faça isso projetando uma possibilidade de aventura que use esse lore.

Se você quer pensar na história de algum personagem fodão do seu cenário, coloque a espada mágica dele em algum lugar do mundo da campanha, junto com ganchos para sua localização, amarrados à história desse cara. Se você quiser mergulhar no lore sobre uma religião, crie um templo abandonado como um local de aventura ou facções rivais com as quais os PJs possam interagir, cada uma ligada e motivada por uma fé diferente. Na minha mesa de Dreamlands, criei um templo (ainda não publicado) dedicado a todo o panteão, onde era possível viajar por portais para espaços sagrados de cada Arconte de Zyan. Foi assim que desenvolvi muitos dos meus pensamentos sobre a prática religiosa e a teologia zyanesa.

Se você quer explorar a história antiga do seu cenário, coloque uma masmorra no seu sandbox relacionada ou criada para comemorar essa história, como fiz com The Catacombs of the North Wind. Se você quer pensar sobre o sistema legal de alguma parte do seu cenário, então crie um local de aventura ou facções que envolvam advogados corruptos e casos judiciais, como Gus fez para Zyan em Beneath the Moss Courts.

Mas será que isso não limitaria a construção de mundo a questões pequenas, diretamente relevantes para um determinado contexto de aventura? A resposta é que isso só será limitante dependendo do tipo de locais de aventura ou de situações que você usar para preencher o seu sandbox. Isso não te limita a possibilidades pequenas e entediantes — desde que as possibilidades de aventura sejam grandiosas. Quer explorar algo realmente cósmico e louco? Crie segredos cósmicos junto com a possibilidade de aventuras cósmicas!

Por exemplo, suponha que você queira explorar a ideia (que mencionei aqui) de que o mundo desperto é apenas um degrau em uma escada de sonhos, todos fluindo do sonho original de MANA YOOD-SUSHAI, o deus adormecido. Então, por que não incluir viajantes de um nível mais profundo de sonho em seu cenário como NPCs que estão tentando voltar para casa? Ou talvez inserir o gancho de que os devotos do deus adormecido estão desesperadamente à procura de algum item que fluiu do sonho original para o nível atual e está fadado a continuar fluindo para outros níveis com a ajuda deles? E já que estamos nessa, por que não explorar portais ou outras formas de viagem entre esses níveis?

Em outras palavras, desenvolva hábitos como mestre que conectem a criação de lore às possibilidades de aventura. Isso dará profundidade ao seu mundo de formas que significam algo para os jogadores. Eles provavelmente se importarão e lembrarão mais do fato de que as terras dos sonhos das Dreamlands são chamadas Phantamoria quando estiverem envolvidos nas tramoias dos próprios phantamorianos. Ainda mais se houver o atrativo distante de que eles possam realmente chegar a Phantamoria para fazer uma exploração verdadeiramente cósmica.

Ponha os jogadores num vácuo informacional.

Aqui está um truque que uso o tempo todo e que facilita bastante criar aventuras que dependem de um bom lore. O princípio geral é que, para tornar o lore uma inteligência acionável, comece com uma premissa de jogo na qual os jogadores estão em uma condição de ignorância sobre os fatos cruciais para navegar na aventura com sucesso. Colocando-os em um vácuo informacional, você imediatamente aumenta a importância de aprender lore relevante para a aventura. Nada estimula mais o impulso de descobrir lore do que um bom mistério!

A maneira mais potente de fazer isso é criar uma premissa de campanha na qual toda a aventura ocorre além do mundo conhecido. Nesse caso, o lore se torna imediatamente uma inteligência acionável, pois os personagens dos jogadores são tão ignorantes quanto os próprios jogadores. Por exemplo, se uma porta para a cidade subterrânea de Zyan acabou de se abrir no mundo desperto, e os PJs são literalmente as primeiras pessoas a passar para as terras dos sonhos, então eles estão em uma condição de extrema ignorância sobre o que estão enfrentando. Eles precisam aprender rapidamente para sobreviver e progredir.

Em The Ruins of Inquisitor’s Theater, algumas facções reagem mal a personagens com rostos descobertos, e outras reagem mal a personagens mascarados. Logo de início, para navegar nesse espaço social, os jogadores precisam descobrir o que raios significam as máscaras nessa sociedade estranha. Ou em Catacombs of the Fleischguild, os guardiões das catacumbas são sombras que operam com princípios diferentes dos mortos-vivos em cenários tradicionais. Os PJs precisam descobrir o que está acontecendo com a necromancia zyanesa para lidar com esses guardiões estranhos e outros seres semelhantes que encontrarem em locais variados.

Há versões menores desse truque também. Mesmo em uma campanha na qual as aventuras acontecem no mundo e no cenário de onde os PJs são, você pode ter locais e elementos de aventura que são secretos ou desconhecidos para os PJs. Quanto mais você fizer isso e amarrar isso ao lore, mais você torna a descoberta do lore um recurso para o sucesso dos jogadores. Na campanha Twilight Age de Nick K., na qual joguei e que discutimos nesse episódio do podcast Into the Megadungeon, a premissa da campanha é que uma megadungeon foi recentemente reaberta pela primeira vez em séculos. Embora fosse parte do mundo onde nossos personagens viviam e estivesse ligado à história antiga, ainda era, em grande parte, um mundo desconhecido dentro de um mundo. Você pode fazer isso em uma escala ainda menor também. Se houver um culto secreto que ninguém fora do culto conhece, então descobrir o que está acontecendo com o culto pode ser crucial para recrutá-los para o seu lado ou impedir que algum ritual estranho seja concluído.

Como publicar um cenário com lore bom

Acabei de falar sobre um mestre criando seu próprio mundo e suas aventuras. Mas, anteriormente, levantei a questão de como comunicar lore aos mestres. Como você pode apresentar lore sem longos blocos de história e entradas enciclopédicas que fazem com que os leitores percam o foco? Como você pode ajudar os mestres a manter o lore necessário sempre à mão durante as aventuras, em vez de enterrado em algum artigo enciclopédico?

Existem muitas maneiras de abordar esse problema. Mas as dicas de mestre sugerem uma resposta genérica mais voltada para a criação de informações de material de cenário publicado. Eu argumentei que um bom lore é uma inteligência acionável para aventuras e para exploração de sandbox. A dica que dei aos mestres para produzir um bom lore ao escrever seu próprio material é que eles desenvolvam o lore em relação ao material de aventura. Isso sugere que, ao apresentar lore em cenários publicados, o ponto-chave para a criação e a apresentação da informação é que o lore deve ser apresentado em relação direta às possibilidades de aventura.

Uma maneira de entender o que quero dizer é que livros de cenários dedicados, que apresentam o cenário separadamente do material que poderia ser usado para criar ou conduzir aventuras nesse mundo, como os chamados "gazetteers", contêm uma falha gritante no design de informação. Se as informações sobre o cenário estão em um livro e as premissas de campanha, ganchos de aventura, materiais de sandbox e aventuras completas estão em outros livros, você está separando o lore do contexto das aventuras. Isso esconderá qualquer bom lore em blocos contínuos de texto e provavelmente permitirá a entrada de grandes quantidades de lore ruim. Quanto mais você separar a apresentação do lore dos materiais úteis para preparar e conduzir aventuras, pior será o problema. O objetivo número um deve ser fornecer o lore com vistas aos materiais para aventura. Além disso, ele deve ser acessível, para que, quando os mestres fizerem a preparação, possam ter as informações necessárias à mão, e não escondidas atrás de paredes de texto.

Suponhamos que deixemos de lado os "gazetteers puros", que apenas apresentam informações de cenário sem orientação para aventuras, e optemos por algo integrado de forma mais direta. Tenho certeza de que existem inúmeras maneiras de fazer isso, dependendo do tipo de produto que está sendo lançado. Por exemplo: trata-se de uma caixa de ferramentas para os mestres criarem seu próprio material de aventura no cenário? Ou o cenário será apresentado junto com materiais prontos para uma campanha? Ou será que é algo no meio termo, como material de cenário apresentado junto com uma aventura inicial ou um pequeno canto de um sandbox detalhado, e uma caixa de ferramentas para a criação de mais aventuras? Tudo isso irá afetar tremendamente a apresentação do lore.

A primeira pergunta que precisa ser abordada, se queremos apresentar o lore em relação ao material de aventura, em qualquer uma dessas modalidades, é: o que os aventureiros fazem nesse cenário? Onde está a aventura? Em outras palavras, a questão mais crucial para moldar toda a apresentação do lore seguinte é: quais são as possíveis premissas para campanhas que ocorrem neste cenário? Sem clareza sobre essa questão básica, não há como apresentar o lore como uma inteligência acionável. Inteligência para o quê?

Ao passar das premissas gerais para campanhas à apresentação mais concreta de caixas de ferramentas ou aventuras, penso que o essencial é desenvolver todo o lore necessário e apenas o lore necessário para o uso dessas caixas de ferramentas e aventuras, apresentando-o de forma que seja acessível para o mestre durante a preparação. Embora isso possa parecer restritivo, é menos restritivo do que se imagina, pelo menos se o mundo for desenvolvido para jogos em estilo sandbox, já que esse tipo de jogo é bem aberto e flexível.

Neste ponto, eu também gostaria de registrar meu desacordo com uma tendência proeminente na OSR, articulada de forma eloquente por Warren, do Prismatic Wasteland, aqui nessa postagem, na qual ele famosamente defende esconder o lore ao incorporá-lo em tabelas, regras, geração de personagens, listas de equipamentos e descrições de monstros. Embora eu concorde que esses são bons momentos para o desenvolvimento do mundo, não acredito que o bom design de informação deva canalizar todo o lore de forma indireta por esses meios, já que isso exige que os mestres intuam ou deduzam o lore que precisam saber, uma vez que ele é uma inteligência acionável. No caso de Warren, esse conselho vem, na verdade, de um desgosto pelo lore, até mesmo pelo bom lore. Naturalmente, ele então quer uma “colher de açúcar” para ajudar o "remédio" a ser engolido. Mas, como eu simplesmente amo a porra de um bom lore, não acho útil restringir o design de informação dessa maneira. Quando bem feito, penso no lore menos como um remédio e mais como um delicioso e poderoso elixir.

Aqui está uma das maneiras de fazer isso

Acho que cheguei o mais longe que podia falando de modo genérico. A partir daqui, só posso oferecer exemplos. Vou compartilhar o que tenho pensado como formato para a versão final do meu material de Zyan. Ele será apresentado como um cenário, acompanhado de material completo para uma campanha. Portanto, não será pensado como uma caixa de ferramentas. (Embora eu espere lançar várias caixas de ferramentas para quem quiser jogar nesse cenário usando seu próprio material de aventura, a partir do que eu criei ou no lugar dele.)

Começarei com uma visão geral do cenário, um breve pano de fundo que dará aos Mestres a atmosfera e a ideia básica do que estamos falando, assim como uma visão de como usar o texto.

Em seguida, apresentarei, de forma detalhada, várias possíveis premissas de campanha ou estruturas para aventuras. Como o cenário é pensado para ser usado em campanhas que começam com grandes lacunas de informação, todas serão premissas sobre como os aventureiros chegam a Zyan a partir do mundo desperto. No entanto, elas apoiarão diferentes estilos ou modalidades de jogo e serão integradas ao meu sistema de tempo livre. Eu também apresentarei várias ideias de campanhas alternativas que poderão ser desenvolvidas pelos Mestres, usando os exemplos detalhados que fornecerei como inspiração para criar uma campanha.

Agora, a parte crucial para os nossos propósitos. Pretendo escrever o lore que apoia as diferentes aventuras e o material sandbox em pequenas seções, redigidas de forma evocativa e breve. Tentarei mantê-las discretas, embora muitas delas estejam conectadas. O ponto chave é que cada local de aventura ou área sandbox indicará ao Mestre quais entradas de lore ele deve ler para preparar o material relevante. (Idealmente, o PDF terá muitos hyperlinks para ajudar ainda mais os Mestre.) Não haverá entradas que não apoiem a preparação para algum local ou situação de aventura.

Se eu fosse uma pessoa implacável, eu provavelmente apresentaria essas entradas em ordem alfabética, para que pudessem ser usadas apenas na preparação. Mas, como isso seria desnecessariamente restritivo para quem quiser ler o lore de forma contínua se for algo do seu interesse, provavelmente apresentarei as entradas na ordem mais racional que conseguir. Ainda assim, isso trará uma sensação de ler pequenas entradas de forma descomprometida sobre tópicos diferentes. Espero que também seja algo perfeito para Mestres que queiram mergulhar aqui ou ali de tempos em tempos, quando algo chamar sua atenção ou despertar seu interesse, mesmo fora da preparação. (E CLARO, ilustrações terão um papel fundamental.)

Falando em lore bom...

Eu tenho um Patreon a todo vapor, no qual apresento toneladas de lore enquanto me preparo para publicar mais zines e, eventualmente, a edição integrada que mencionei aqui. Esse material é lançado para os apoiadores muitos meses ou, em alguns casos, anos antes de chegar ao público geral. Até agora, lancei 38 páginas de zines cheias de lore, todas focadas em material de aventura. Se quiser ver esse tipo de abordagem em ação, ou se quiser apenas ter um vislumbre de mais lore das Dreamlands, dê uma olhada no meu Patreon!