(Essa postagem foi originalmente criada para uma postagem no subreddit r/rpg_brasil em 01/09/24. Transcrevo para o blog a fins de preservar o texto, com algumas modificações.)
A OSR nasce como uma proposta de, supostamente, "reviver o estilo antigo do D&D", mas acaba se tornando um estilo de jogo próprio (ou "sui generis", se você quiser ser pedante).
Muito de como seria esse "novo" estilo de jogo proposto pela OSR está descrito em blogs gringos espalhados pela internet, mas reunidos também nos já famosos "Old School Primer" (traduzido e comentado por Rafael Balbi do Café com Dungeon e cia) e pelo "Principia Apocrypha".
OBS: de maneira nenhuma estou tentando dar conta da totalidade e das nuances desses estilos. Meu foco é iniciar uma conversa e passar informação adiante a partir da minha perspectiva. Sintam-se livres para debaterem, rebaterem e colocar o seu ponto de vista sobre o assunto nos comentários.
Máximas do estilo de jogo OSR
Um resumo das máximas do estilo OSR, como propõe o blog All Dead Generations, seriam:
Ênfase em "arbitragens" ao invés de "regras" ("rulings not rules"): Jogos OSR não costumam ter regras muito extensas, o foco é criar regras enxutas e consistentes. Ao invés de usar um livro de regras que tenta cobrir todas as possibilidades de situações imagináveis, a OSR espera que o Mestre use o bom senso para criar um parâmetro a cada nova situação (e usando esse parâmetro dali em diante para situações parecidas. Se espera que "Arbiragens" sejam feitas de forma lógica, consistente e desinteressada).
A resposta para os problemas do jogo não está na sua ficha de personagem: Se por um lado o jogo não tem regra para tudo, por outro os personagens também não tem "poderes" e "habilidades especiais" que resolvem os problemas automaticamente. Nesse sentido, se espera que não haja uma "solução mecânica" automática para os problemas do jogo. Ex: em D&D 5e você rola percepção para tentar encontrar armadilhas, na OSR se espera que você seja cuidadoso, pense de forma lógica e/ou seja criativo para tentar encontrar/superar armadilhas.
Interpretação de personagens e não rolagem de dados ("role playing, not rollplaying"): um dos pontos mais polêmicos, mas costuma ser interpretado como "novas edições do D&D focam demais em builds de personagem" ou "novas edições do D&D rolam testes desnecessários". Supõe-se que o jogo ideal da OSR é fazer planos bons o suficiente de tal forma que os dados nunca precisem serem rolados. Você também poderia entender isso como "soluções criativas e inteligentes não necessitam de testes".
Não altere o resultado do dado ("don't fudge dice"): Espera-se que o Mestre seja um "árbitro neutro" que não vai favorecer e nem desfavorecer os jogadores e nem manipular os resultados dos dados para direcionar a "história" para um rumo da sua escolha. Nesse sentido, é fortemente desencorajado que o mestre "minta" sobre o número que ele rolou no dado ao fazer uma rolagem atrás do escudo do mestre, etc. Tem a ver com a rejeição do chamado "ilusionismo" e do "ogro quântico".
Brinque com o mundo e não com as regras ("play the world not the rules"): esse é um ponto que fala da rejeição do Mestre enquanto um "contador de histórias"; tem a ver com a rejeição da OSR do modelo "railroad", das narrativas lineares, em favor do "sandbox", do mundo aberto. Como as regras não restringem as ações dos jogadores, parte-se da ideia de que "tudo é possível" e o jogo pode ir na direção que os jogadores quiserem.
"Combate é um estado de falha" ("combat is a fail state"): ao contrário do que poderia parecer, o estilo OSR não é tão "matar, pilhar, destruir" assim: os personagens costumam ter menos pontos de vida que os D&Ds mais recentes, PJs tem menos recursos e não se acredita muito em criar "combates balanceados e equilibrados" para os jogadores enfrentarem conforme avançam de nível. O objetivo do jogo não é matar monstros, mas coletar tesouros da forma mais eficientemente possível, visto que os sistemas OSR premiam xp por ouro coletado e muito pouco (ou quase nada) por monstros derrotados. Os monstros funcionam mais como perigos e contratempos do que uma justificativa para usar habilidades de personagens.
Registros rigorosos da passagem do tempo precisam ser contabilizados: esse é um ponto bastante curioso: é baseado numa frase retirada do manual do Mestre do AD&D 1e, escrito por Gary gygax (um dos criadores do D&D original) e ela vinha toda em caixa alta ("YOU CAN NOT HAVE A MEANINGFUL CAMPAIGN IF STRICT TIME RECORDS ARE NOT KEPT"). Como todos os pontos anteriores, essa ideia é meio uma adaptação do (suposto) estilo gygaxiano, meio uma proposição nova da OSR. A OSR, muitas vezes, usa essa frase para falar da importância do fator "bomba relógio" nesse estilo de jogo, presente na jogabilidade focada em exploração (de dungeons e de mapa). A cada x minutos dentro da masmorra, o Mestre rola um dado de encontros aleatórios; a cada dia viajando nos ermos, os jogadores precisam gastar rações e água para se alimentar, etc. Isso também pode ser interpretado no sentido de contar o tempo "1 para 1", como se cada dia dentro do jogo fosse equivalente a 1 dia também no "nosso mundo", muito do que hoje chamaríamos de uma "campanha estilo west marches", mas isso é assunto pra um outro momento.
Máximas do estilo de jogo New School Revolution
A NSR surgiu como termo em 2019 como uma brincadeira no (recém falecido) twitter. Apesar da brincadeira, o termo acabou sendo apropriado de forma séria e usado ativamente por muita gente pra se diferenciar do andava sendo feito pela comunidade da OSR (além de se distanciar de certas ideias e figuras problemáticas da cena... treta para outra hora também). Em geral, acredito ser um movimento menos guiado pela nostalgia, menos focado em "tentar reproduzir" um estilo do passado e, ao invés disso, criar e jogar jogos num estilo que hoje associamos mais com jogos de regras leves ou minimalistas. Vocês vão notar que muitas das ideias da NSR são readaptações ou são reconstruções "a partir" da OSR, justamente porque esse é um movimento que surge a partir da comunidade OSR. Um texto muito bacana para ver como a NSR se constitui enquanto comunidade em relação à OSR é "A nova New School Revolution" do Yochai Gal.
As máximas da NSR foram escritas pela primeira vez pelo "Pandatheist" no seu blog The Bone Box Chant e você pode ler os textos sobre isso, traduzidos na íntegra, clicando aqui. Essa lista foi discutida com mais calma no último episódio do podcast Tomos Revelados. Se essa é um tema que te interessa, recomendo muito que você dê uma ouvida!
Regras leves ("rules light"): é uma diferença gritante folhear o "livro" de regras de um Cairn 1e ou de um Mausritter e folhear um Old-School Essentials ou um Basic Fantasy. Por diversos motivos (muitos deles orientados pelos pontos acima levantados pelas máximas da OSR), os jogos da NSR, no geral, possuem regras muito enxutas e pouquíssimos atributos de personagem. Alguns desses jogos também não tem classes de personagens: seu PJ costuma ser definido mais pelas suas ações em jogo e pelos itens que ele carrega do que por suas mecânicas de classe.
Um Cenário Estranho: jogos NSR gostam de usar temas dos livros e obras do gênero da "Ficção estranha" e das revistas pulp, e, basicamente, gostam de emular uma fantasia que evoque temas psicodélicos, misteriosos e que borrem as barreiras dos gêneros de fantasia e da ficção científica. Um ótimo exemplo disso é o excelente sistema Troika. Esse cruzamento tem muito a ver com a experiência de jogo pretendida pelos pontos levantados abaixo (leia a seguir).
Ênfase na construção de um "mundo vivo": em jogos NSR, a existência do mundo precede a existência dos personagens dos jogadores. Nesse sentido, quer dizer que o Mestre não está "contando a história dos personagens", mas tentando representar um mundo ficcional crível que muda e avança mesmo que os personagens não estejam interagindo com ele. Exemplos: os PJs foram chamados para ajudar na defesa de uma vila contra a invasão das fadas do pântano. Como os PJs não atenderam o chamado, os prédios da vila se tornaram ninhos de fadas bizarras; enquanto os PJs viajaram para saquear a longínqua tumba do antigo imperador escarlate, o Reino do Norte tomou as terras do Reino do Oeste e agora os PJs precisam pagar uma taxa de ouro exorbitante sempre que cruzam essas novas fronteiras.
Estilo de jogo "mortal": para uns, quer dizer que seu personagem é frágil e que faz parte do jogo que ele possa morrer ao longo da partida e que faz parte você ter que criar um novo PJ. Para outros, simplesmente quer dizer que "ações dentro do jogo tem consequências" e que é aceitável que seu personagem encontre desafios e monstros muito mais fortes do que ele. Esse ponto ajuda a manter de pé a ideia de um "mundo vivo": se faz sentido que você esbarre com um dragão na segunda sessão de jogo, então provavelmente você encontrará um dragão na sua segunda sessão de jogo. Monstros costumam ser interpretados como "armadilhas ambulantes" e não "sacos de XP ambulantes".
Foco em narrativa emergente: a história não é algo preestabelecido pelo mestre, mas é aquilo que acontece dentro da sessão, a partir das decisões dos jogadores e das consequências dessas ações. É o que eu gosto de chamar de "Jogue para descobrir". Um exemplo: quando os personagens estão viajando, famintos, atravessando uma estrada e rolam um encontro aleatório cuja descrição é "pequena caravana de mercadores com 1d4 guardas, 2d6 rações e 2d4 armas à venda", e os jogadores escolhem atacar e roubar os suprimentos da caravana ao invés de negociar, isso é "narrativa emergente", já que nem os jogadores, nem o Mestre tinham essa cena como algo predefinido de antemão. Tabelas de geração aleatória transbordam de materiais NSR, pois são um prato cheio para criar situações de narrativa emergente.
Foco em "interação externa": os jogadores são encorajados a interagirem com o mundo ao seu redor através de perguntas e não com suas mecânicas de personagem. Um bom exemplo do autor Pandatheist é: jogadores de D&D 5e, ao entrar na sala, imediatamente querem rolar um "teste de percepção". No estilo NSR, se espera que a ficção do jogo esteja em primeiro lugar e que as regras venham depois. O que Joel, o ladrão, decide fazer quando ele vê a ave de gelo dentro de uma gaiola? O que o jogador quer fazer naquela situação, dentro da "narrativa" do jogo? A resposta "quero rolar um teste de x ou y" não é uma resposta encorajada dentro do estilo NSR.
Foco em "exploração": Gosto de pensar que esse ponto é "a cola que junta todos os outros pontos". O cenário de exploração arma o palco perfeito para um jogo de narrativa emergente, no qual existe um mundo vivo e estranho que está em constante mudança: o que será que aconteceu na vila de Vahan desde que destruímos o ninho da formiga rainha mutante da estrada norte? O que será que significa o rumor de que "um meteoro cônico e pontudo caiu nas pradarias na última noite de lua nova"? Será que esse "meteoro" é a torre do mago que, segundo as lendas, desapareceu do dia pra noite? O que será que existe dentro daquela caverna na floresta que emana luz rosa neon?
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