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 Título original: "Apolitical RPGs Do Not Exist"
Escrito originalmente no blog intitulado "Prismatic Wasteland" em 23 de setembro de 2021. Links originais foram mantidos.
Traduzido por Felipe Tuller

Listas geralmente são ruins. Sempre preferi uma tabela aleatória a uma simples lista. Isso torna as compras de supermercado muito frustrantes, mas também me faz ser cético em relação às listas de "bons meninos" e "maus meninos", especialmente quando não são mantidas por um homem-fera que reside no Polo Norte, mas por fascistas e sua laia. Então, mesmo que eu tente não responder aos últimos "discursos" que assolaram o Twitter, eu já estava bastante frustrado com a lista de criadores de RPG que eram "conscientizados"1 ou "não conscientizados", conforme determinado pelas figuras mais repugnantes que se alimentam das sobras da mesa da OSR2. No entanto, esta postagem, categoricamente, não é sobre essa lista — já foi derramada muita tinta digital sobre esse assunto. Em vez disso, quero discutir uma suposição feita pelos hediondos criadores da lista. Na tentativa de categorizar mais criadores de RPG como sendo simpáticos a suas próprias opiniões, eles listaram vários RPGs e seus criadores como "apolíticos" e equipararam tal apoliticidade como merecedora de inclusão em sua lista dos "bons". Mas isso (entre outras coisas que estão além do escopo desta que espero ser uma postagem misericordiosamente curta) é extremamente equivocado.

Todos os jogos são políticos. Se você ainda não está fazendo fila atrás de mim, concordando com a cabeça e envolto em túnicas de coro de igreja, talvez seja útil definir meus termos. A política é uma categoria ampla. Apenas uma mente fechada pensaria que as contestações entre (ou dentro) dos partidos políticos em democracias são o limite externo da política. Política descreve qualquer conjunto de atividades de um grupo ou grupos para determinar a distribuição de poder e recursos dentro da sociedade. Não são apenas as regras pelas quais a sociedade opera, mas também as regras pelas quais essas regras são criadas e mantidas. A definição mais curta de política é "quem obtém o quê, quando e como". Mas o que é um jogo? Um exemplo útil vem de uma postagem da Marcia em seu blog:

"Qualquer jogo que mereça o título de 'jogo' deve transformar o jogador em um sujeito ao obrigá-lo a desejar, isto é, ao dizer-lhe o que lhe falta. Em 'Hipopótamo Comilão', você se torna um certo hipopótamo comilão que deseja comer mais bolinhas do que os outros hipopótamos comilões."

— Marcia (@chiquitafajita_ no Twitter e demais lugares)

O jogo dá ao(s) jogador(es) um desejo, as regras ditam como ele(s) podem satisfazê-lo. Em 'Hipopótamo Comilão', por exemplo, os hipopótamos desejam as bolinhas (que são recursos), as regras e mecanismos (incorporados fisicamente no próprio tabuleiro) e a distribuição de recursos afetam as relações de poder (apenas um hipopótamo, e seu jogador, são declarados vencedores). Não é preciso viajar muito para enxergar as ideologias em jogo, mesmo em um jogo simples como 'Hipopótamo Comilão': é a sobrevivência do mais forte, do mais rápido, do melhor para devorar aquelas coisinhas pequenas e redondas. Darwinismo social (ou talvez apenas darwinismo — afinal, são hipopótamos). Qualquer jogo pode ser examinado através da mesma lente para ver que a política está presente. Vamos dar uma olhada em um outro jogo de tabuleiro para crianças que representa uma ideologia muito diferente: 'Não Acorde o Papai'3.

'Não Acorde o Papai' é anti-autoritário. A premissa fictícia do jogo de tabuleiro 'Não Acorde o Papai' é que os jogadores são crianças que desejam um lanche da madrugada, mas não devem acordar seu pai, que, por razões desconhecidas, dorme no meio da casa entre o quarto das crianças e a geladeira. O jogo gira em torno de conseguir a comida desejada sem ser pego pelo papai (sendo o papai uma figura de autoridade quintessencial, embora aqui desempenhe mais o papel de policial do que de um deus distante). Novamente, certas regras (por exemplo, para determinar se pisar em patins ou derrubar uma tigela de frutas é suficiente para acordar o pai) estruturam a distribuição de recursos entre os jogadores (quem recebe comida primeiro) e, ao contrário de 'Hipopótamo Comilão', vemos uma dicotomia de poder na ficção. O papai claramente controla o o acesso à comida e decide onde as crianças devem estar e quando (na cama, à noite). Mas o jogo é sobre a subversão dessa relação de poder. Os jogadores não respeitam a estrutura de poder existente e tentam obter os recursos para eles mesmos. Embora isso não seja um golpe violento contra o papai (ao contrário de 'Pule no Papai' de Dr. Seuss4), o jogo pelo menos tem uma mensagem importante sobre a legitimidade das estruturas de poder existentes. E não me faça te lembrar que estamos falando de 'Não Acorde o Papai'. Certamente os RPGs que você joga são mais complicados do que isso.

'Não Acorde o Papai' recria em si mesmo um tropo comum na fantasia: as aventuras de pilhar tesouros do covil de um dragão sem acordar a fera e sofrer sua ira flamejante. Mas em RPGs de mesa, a situação raramente é tão simples. O dragão tem um tipo de poder, um poder literal, em relação aos personagens dos jogadores. Mas provavelmente há outros poderes em jogo: facções na masmorra que podem estar alinhadas a favor ou contra o dragão, ou um reino fora da masmorra que exerce poder político no sentido mais literal. Os jogadores tendem a começar uma campanha em um estado de impotência, mas raramente terminam assim (a não ser que eles acordem o dragão). Mas até estilos de jogo mais simples e clássicos revelam a marca indelével da política. Em certos níveis, personagens ganham seguidores e fortalezas. O que é isso, se não a acumulação de poder e recursos e a canalização desse poder para obter ainda mais poder? Isso tudo é tão típico num jogo como Dungeons & Dragons quanto devorar bolinhas é num jogo de 'Hipopótamo Comilão'.

Então você ainda quer fazer um jogo apolítico? Bem, primeiro você deve se perguntar o porquê. A quem você tem tanto medo de ofender ao vestir a camisa de suas opiniões políticas? Você não quer desmotivar fascistas a comprar seus jogos? Bem, então, cuidado, porque parece que você está criando um jogo para fascistas. Ou então você é um fascista, mas quer que seus jogos passem despercebidos e atraiam os normies? Se isso descreve você, pare de ler meu blog e nunca mais volte aqui. Mas se seus motivos são realmente puros, aqui está como fazer um RPG apolítico:

Passo Um: não dá.

Passo Dois:

Espero ter ajudado!

"Mas se todos os jogos são inerentemente políticos, jogar jogos com temas problemáticos é algo ruim?" Não necessariamente. D&D e sua linhagem estão impregnados de tropos racistas e colonialistas, mas removê-los do jogo não é nenhum grande projeto decolonial. Francamente, não há nada que eu possa dizer sobre este assunto que não seja melhor dito por Zedeck Siew, autor de A Thousand Thousand Islands e outros (se, de alguma forma, você está lendo este blog e ainda não está familiarizado com o trabalho de Zedeck, eu recomendo demais essa análise feita por Vi Huntsman). Zedeck declarou o seguinte (no Twitter, estou reproduzindo apenas uma parte, mas a discussão completa vale a pena ler e reler):

Para aqueles que desejam continuar usando a "linguagem" de D&D -

Adentrar a "terra selvagem" (como se isso não fosse o lar de alguém) para "procurar tesouros" (como se isso não pertencesse a ninguém) e "matar monstros" (monstros para quem?)...

É. São assuntos problemáticos.

E, definitivamente, esses aspectos deveriam deixar mais pessoas desconfortáveis.

Mas é um erro "descolonizar o D&D" varrendo esse conteúdo pra fora do jogo.

Isso me parece ser apagamento; como uma recusa em enfrentar a história / contexto; como uma maneira de aplacar a própria culpa de colonizador.

Lembre-se: se você - branco ou pessoa de cor - vive no Ocidente, ou em um centro urbano asiático (por exemplo), você já está sendo cúmplice do comportamento colonial / capitalista (eles estão inexoravelmente ligados).

Tirar essas coisas dos RPGs pode fazer você se sentir melhor. Mas não mudará quem você é.

Acredito ser mais verdadeiro *e* mais útil não desviar o olhar do colonialismo do D&D.

O fato de avançar sobre a terra selvagem em busca de tesouros e matar monstros ser uma gênero e ser divertido pra cacete nos diz coisas valiosas sobre a forma e a psicologia do colonialismo.

- Zedeck Siew

Se houver algo a ser tirado deste post, é reconhecer que seus jogos são políticos. Até os jogos mais simples e infantis que você possa imaginar são políticos. Mas munido desse conhecimento, você não precisa necessariamente apagar de seus jogos de todo o conteúdo que for gritantemente político. Em vez disso, jogue com intenção. Conviva com seu desconforto. Eu não tenho respostas fáceis para você. 


Título original: "How to never describe a dungeon!"
Escrito originalmente por Diogo Nogueira no seu blog intitulado "Old Skulling" em 29 de setembro de 2017.
Traduzido por Felipe Tuller.


Eu já ouvi isso mil vezes. Você provavelmente também já ouviu. Algumas pessoas, eu não sei por quê, dizem que masmorras, especialmente as grandes, são chatas. As infinitas repetições de salas e corredores e ter que escolher ir para a esquerda, direita, norte ou sul os deixa deprimidos. Não sei porquê. Na verdade, eu sei porquê.

Porque eles realmente não sabem como mestrar uma masmorra durante o jogo. Parece fácil, algo que não exige esforço. Basta dizer o que está na sala em que os PJs estão e aonde as passagens vão dar. Mas não é assim. Eles ficam entediados com o tal de "você chega a um cruzamento e há uma porta para o norte e duas passagens, uma indo para o leste e outra para o oeste", porque essa é uma maneira terrível de descrever os arredores de uma masmorra e não apresenta nada realmente útil para os jogadores escolherem.

Nunca descreva uma masmorra assim. Há muito mais acontecendo do que podemos ver inicialmente. Um bom árbitro1 tomará todo o contexto do que era a masmorra, o que ela é agora, quem viveu lá, quem vive lá agora, quem ou o que passou por uma passagem e usar tudo isso para descrever a masmorra, para torná-la viva e real. Se o corredor no leste leva a uma caverna natural coberta de cogumelos e miconídeos, talvez quando os PJs olharem para essa passagem eles verão uma luz fluorescente fraca que emana do musgo estranho que vive lá, e sentirão uma leve brisa fresca soprando daquela direção. Algum musgo pode estar crescendo nesse corredor também. Se a oeste houver um ninho de aranhas gigantes, esse corredor certamente terá mais teias de aranha cobrindo-o do que as outras passagens pelas quais passaram, e algumas delas ainda estarão vibrando, como se algo vivo estivesse tocando a teia.

O que as pessoas que pensam que as masmorras são chatas e repetitivas não entendem é que as masmorras podem ser tão surpreendentes e excitantes quanto qualquer outra coisa (se não mais, já que sob a terra, longe das leis da natureza e da luz ofuscante do sol, qualquer coisa pode existir). E é o trabalho do árbitro passar essa informação e sentimento aos jogadores. Explorar uma masmorra é basicamente um exercício de escolha. Cada quarto, cada corredor, cada passagem oferece uma escolha. Será que entramos? Vamos para o norte, sul, leste, oeste?

E sendo uma escolha, ela só faz sentido se não for uma escolha aleatória. Os jogadores precisam de algumas informações para fazer essa escolha, caso contrário, eles podem simplesmente rolar um dado, ou o árbitro pode escolher para eles. Sendo assim, o árbitro deve fornecer algumas pistas, alguns sinais. Ele precisa apresentar cada escolha dentro de um contexto que possa ser utilizado pelos jogadores para extrapolar o que essa escolha possa levar. Ele não precisa deixar claro e dizer que essa passagem leva ao homem cogumelo e às aranhas gigantes, mas os elementos que ele apresenta devem ter uma conexão com o resultado. Alcançar o resultado certo depende totalmente dos jogadores. É aí que a habilidade do jogador2 entra também.

Então aí está. Nunca descreva uma masmorra de forma fria e simplista como "uma sala com passagens norte, oeste e leste". Pense sobre o que está através dessas passagens. O que passou por essas salas. Pense sobre quais sinais seriam deixados para trás. Que pistas são deixadas para trás para que os PJs possam tentar fazer uma escolha melhor para si mesmos. Dê pelo menos um elemento para basear a sua escolha. Se pudere, dê a eles 3 pistas para cada opção. Pensem nos seus sentidos. Que cheiro eles sentem? O que podem sentir? Eles veem alguma coisa? Eles ouvem algum barulho? Um gosto ruim aparece de repente em sua boca por causa do cheiro que eles sentiram?

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